Arquivo da categoria: Filosofia de Jardim

Quantas relações eu preciso fazer para sobreviver

A semana passada terminou com a “grande” colheita de espinafre. Na roda inicial fui escalado para o dito campo de Michael, o mais afastado de todos. Só para vocês se situarem, aqui no Horto os campos onde plantamos tem nome de anjo, pois tendemos a ser esotéricos. Mas vamos, lá. Faca de jardineiro na mão, cesto nas costas eu mais três companheiros subimos o pequeno morro. Encobertas por um grande pano branco, devido a geada das noites anteriores, aproximadamente oitenta metros daquelas nutritivas plantinhas, que serviriam para alimentar parte das casas aqui da comunidade, aguardavam por nós.
Ajoelhei-me na terra, senti o vento, agradeci e pus-me a trabalhar. Aos poucos silenciamos e entramos num ritmo próprio. Enquanto uma das mãos segurava a pequena verdura, a outra, num golpe certeiro, separava-a da raiz. Assim enchemos o primeiro cesto e continuaríamos, não fosse a vinda inesperada de Taddy.

Desde que chegou ao nosso Filosófico Jardim, Taddy repete o dia inteiro “Hans Dieter Popeye”, depois se mete a gargalhar. O triste que essa vinheta se reproduz há uns quatro meses, o tempo que ele está aqui na vila. Já tentei de todas as formas saber dele, quem é o tal sujeito, mas Taddy não responde, ao invés disso, imita o George Bush ou diz que comeu pizza com arroz. Já liguei para sua mãe, indaguei familiares, mas ninguém sabe quem é Hans Dieter Popeye.

Taddy e eu estamos em fase de adaptação. Já estabelecemos alguns laços afetivos, outro dia ele segurou a minha mão, o que foi uma conquista.

Lembro-me da sua primeira tarde aqui, assustado trancou-se no banheiro e fez a maior sujeira marrom que eu já havia presenciado em toda minha vida. Sujeira marrom de adulto, vocês conseguem imaginar?  Resumindo, foi pela necessidade que tive que dar a primeira ducha no garoto e depois, por dois dias, limpar as paredes do lugar que nunca mais foi o mesmo.

Mas voltando a história… Lá estávamos nós trabalhando e ele declamando: Hans Dieter Popeye, Hans Dieter Popeye, Hans Dieter Popeye (ad infinitum). Lá pelas tantas, como todo bom ser humano, perdi a paciência e berrei: “Me diz quem é esse (mal)dito Hans Dieter Popeye!”. Foi quando Taddy, com uma leveza de fazer inveja, pegou uma folha de espinafre, olhou para mim, disse novemente “Hans Dieter Popeye”, levou-a até a boca, comeu e depois, sorrindo, me mostrou o bíceps.


Será Hans Dieter Popeye o marinheiro? 

Demeter – A deusa

Vivo falando aqui que larguei minha vida sedentária para virar um jardineiro “Demeter” mas acredito que nunca expliquei realmente o que é isso. Pois então, chegou a hora da verdade…
Primeira parte: Demeter – A deusa
Imagine que estamos na Grécia agora, num tempo em que o Deus Desconhecido de Nietzsche era só mais um anônimo no meio da multidão. Havia uma superlotação de gente poderosa no tal monte Olimpo e, entre tantos imortais, a nossa querida Demeter.
Filha de Cronos e Réia, foi educada e herdou toda riqueza cultural dos pais, inclusive os copiou, ao se casar com Zeus, seu irmão (pelo jeito os deuses gregos tinham uma inclinação canina, ficavam [sentido pejorativo] com todo mundo da família).
Considerada a deusa da agricultura, gostava de passear com seu amigo Dionísio, muito mais do que um enólogo, o sujeito era o próprio deus das uvas, fermentação, bebedeiras, boêmia. Bom, na esfera institucional, os dois proferiam palestras nas quintas a noite para os futuros empreendedores do recém-lançado agronegócio.
 
Um belo dia Demeter ficou grávida e deu a luz a uma bela menina de braços brancos a quem chamou de Perséfone (Não vou entrar nos detalhes da vida dessa aí, mas imagine Cristiane F. elevada a décima segunda potência. A cretina quase desgraçou a nossa vida aqui na Terra, tudo porque caiu na lábia do insaciável senhor Hades e sua caverna erótica com espelho no teto, vultos por todos os lados e direito a comer, depois do sexo, caramelizadas romãs do amor.)
Bom, o tempo passou, casamento desgastou e apareceu um herói grego, o Lásio, com quem teve um affaire. Demeter engravidou e, como resultado, nos deixou o Pluto!



Antes um simpático astro do desenho animado a um devorador de jovens como o Minotauro. Vocês não acham?

Sr. Sério e sua luta contra a descoberta de Newton

Vivenciamos durante esse mês o ápice da colheita. Entre abóboras, pepinos, tomates, batatas, cebolas, cenouras e infindáveis leguminosas mais, também partimos em busca de algumas frutas que fazem o nosso inverno mais feliz, como por exemplo, as maçãs.
Nos preparamos com baldes, sacos, escadas, entre outras ferramentas necessárias. Por enquanto tudo normal e até romântico. Colher frutinhas em meio a pés carregados em ondulados gramados verdinhos. Eis porém, que um dos heróis da dita apanha, cujo nome sem brincadeira, é Sr. Sério, resolveu ir junto.
O vulcânico Sr. Sério é um sujeito fabuloso, querido, simpático e inofensivo, quando está de bom humor. Quase sessenta anos, cabelos branquinhos, dois metros, alguns centímetros e uma força descomunal embaixo da jardineira azul, do chapéu de palha e das botas número 45.
Lá estava ele, apanhou uma, duas, três… Até que em determinado momento olhou para cima e no meio da testa levou uma“maçanzada” que chegou a partir a fruta ao meio.
Tentei, inutilmente, descontrair:
– Agora o senhor está mais próximo de Newton!
Só deu tempo para tirar uma última foto antes de correr…
O homem enfurecido começou a jogar as maçãs com toda a força. Esvaziou duas caixas. Primeiro em cima de mim, depois descontou sua ira na pobre árvore.

Passados alguns minutos, eu (por amor a minha vida) já do outro lado do campo, sou procurado pelo Sr. Sério que sorridente, me perguntou da forma mais educada possível:

– Stefan (me chamo Peterson, mas do jeito que as coisas estavam, qualquer nome seria válido) será que eu poderia comer uma maçã?

As flores do meu jardim

Há flores cobrindo o telhado
E embaixo do meu travesseiro
Há flores por todos os lados
Há flores em tudo que eu vejo.

Tony Bellotto / Sérgio Britto / Charles Gavin / Paulo Miklos

 

Chega o outono e as borboletas já não voam mais. As vacas mal agasalhadas ficam enfurnadas nos galpões até um dia qualquer, um pouco mais quente, de março. Começam as geadas pela manhã e um restinho de verão, que esse ano não chegou, continua pela tarde, num máximo de dezoito graus.
No jardim, corro para colher as últimas flores, pois preciso enclausurá-las na casa de vidro. É a minha tarefa do dia.
Durante a pausa, tenho a impressão que os buquês, amarrados de ponta cabeça, me olham com sua beleza peculiar. Entre eles, encontro a placa “retrógrada” que me faz pensar na vida pós-moderna. Afinal, aqui nós trabalhamos sem o uso da genética!

 

(Foto tirada pela manhã com a empreitada ainda pela metade)

Sou um plantador de morangos

“Sou um plantador de morangos
Os morangos são os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações…”
Bom, agora que acabei com o poema do Fernando, confesso que estou destruído, moído, exaurido pelo dia puxado com meu amigo Jürgen Habermas. Esse tal de paradigma comunicacional me deixou sem condições de estabelecer o mínimo de comunicação decente.
Segue um vídeo, depois da postagem para os batatas, que fiz na quarta passada no jardim filosófico, quando plantei morangos, com sapatão, calça imunda e camisa social (que no Brasil sempre recusei) rasgada… totalmente colono! Só fartô o arraiá!!!