Hoje eu acordei, sem motivo aparente, de mau humor. Sabe aquele dia em que a humanidade te irrita e os outros são simplesmente um inferno. Se minha vida fosse normal, eu agradeceria (não sei bem ao certo quem) por estarmos em pleno sábado. Se eu ainda morasse em Florianópolis, desconectaria o telefone, fecharia as cortinas do apartamento, pediria alguma porcaria pelo serviço de tele entrega e sepultaria a humanidade, pelo menos por algumas horas.
Não moro mais na Ilha e minha vida ganhou, como vocês sabem, um “a” na frente da palavra normalidade. Hoje é sábado e eu não posso me excluir do contato com minha excêntrica família.
Abro a porta do apartamento e desço as escadas da casa com a testa franzida. No vão de entrada, perto da lareira, ouço Teodoro. Todo dia ele faz uma algazarra ao me ver. Começa com “Ali vem ele!”, depois Teodoro segue com mais entusiasmo… „Gente, ele está chegando!!!” Quando alcanço o piso térreo, ele está a bater palmas eufórico, gritando emocionado… “Peterson! Peterson!”.
Imaginem isso trezentos e sessenta e cinco dias por ano, especialmente quando tudo o que você quer é o máximo de silêncio e o mínimo de agitação.
Eu fiz um pequeno gesto simbolizando “menos, por favor.” disse um sucinto bom dia e fui preparar o café…
Arquivo da categoria: Muro das lamentações
Retro…escavadeira 2013
Imaginem uma daquelas máquinas gigantes a retirar o barro vermelho de um terreno qualquer. As pessoas que vivem ao redor da obra sofrem com o barulho ensurdecedor, com a sujeira deixada na estrada, com o lixo acumulado. Os pássaros coloridos, répteis e mamíferos fogem da insanidade humana. Ficam os insetos, felizes a se banhar e a se proliferar em uma imensa caixa de água de PVC azul.
Um monomotor sobrevoa a tal área de trabalho. Não muito longe do terreno ainda é possível perceber árvores verdinhas. Uma ilha de mata atlântica loteada por tetos de zinco, coberturas de fibrocimento e algumas telhas de cerâmica. Ali de cima, o que chama atenção é o buraco vermelho. Uma ferida aberta a ser cutucada e cavoucada sem o menor cuidado. Talvez, no futuro, um investidor tentará encobrir sua ganancia com grama pronta e coqueiros já crescidos. Mas apesar da beleza aparente, o progresso deixa sempre suas úlceras de decúbito.
Bom, mas não era sobre progresso que eu queria escrever hoje, eu quis era brincar com o título para fugir da palavra retrospectiva e do tema um tanto pesado para o blog. Quero falar de um machucado que, em mim, ainda não cicatrizou.
Sabemos que a violência ronda a nossa vida. Por vezes cruza a esquina, vai ao nosso supermercado, utiliza o nosso posto de gasolina, “visita” a nossa padaria, entra até mesmo em nosso prédio. Espero que jamais ouse adentrar em nossa casa. Fato é que no dia 28 de junho do ano de 2013, a violência bateu a porta de uma família. Sei que acontece sempre, que nossos noticiários estão recheados desses exemplos, que engolimos junto as nossas refeições quando deixamos o televisor ligado durante o café da manhã, almoço ou jantar. Parece que não é conosco, não prestamos muita atenção e chegamos até a fazer piada sobre tais assuntos.
No dia em que li a notícia eu fui para o quarto e debulhei em lágrimas. É a história do garoto Brayan que, durante um assalto, no colo da sua mãe, ficou com medo e chorou pela última vez. O vagido do menino incomodou um daqueles homens que não amam e por isso são os porta-vozes da violência. O garoto se foi para sempre e os pais voltaram, de algum jeito, para a Bolívia e para a miséria de onde nunca deveriam ter saído.
Fico pensando nos últimos minutos dele, no desespero inócuo da mãe, na sensação de impotência do pai. Haveria no cômodo uma dessas luzes eletrônicas pálidas que fazem tudo ficar mais doloroso? Trabalharam feito escravos para um muquirana que deve estar agora em alguma praia do litoral brasileiro, tomando cerveja, se entupindo de churrasco, fazendo piadinhas insanas sobre veados, gaúchos, loiras e pobres, além de ser obsceno com qualquer mulher que cruze o seu caminho. Provavelmente privaram-se de tantas coisas no intuito de economizar e amenizar o futuro, já que o passado lhes fora tão cruel. Cinco anos tinha o menino que entregou, choroso, as moedinhas que ele havia economizado. Infelizmente moedas e vidas já não têm muito valor.
Sei que é dia primeiro e que eu deveria postar um texto bonitinho, mas desde que acordei estou a remoer essa história dentro de mim. Só desejo, do fundo do coração, que 2014 seja minimamente mais humano.
O Vinhetas vai mudar
Talvez tenha sido o modo como até agora eu levei essa história de blog.
Tenho tomado bomba
