Meio mecânico

Quando eu, ainda na Pequena Alemanha, tinha um problema com o auto, recorria aos serviços excelentes da Auto Elétrica Kuri ou da Tambosi Oficina Mecânica. Gente que faz da profissão uma obra de arte. Em meu deslumbre, sempre acreditei que, em Pomerode, trabalhavam os melhores profissionais do mundo, muitos dos quais, amigos meus. Naquele vale verdinho escondiam-se Michelangelos, Picassos, Raffaelos, Goethes, Humboldts. Cada um, o melhor em seu segmento. Meus grandes amigos, Keila e Aumir, viviam cercados de carros por todos os lados. Eles tinham, além do seu talento em consertar o impossível, um preço acessível para nós, orgulhosos representantes da classe média baixa pomerodense.
Na Grande Alemanha, os negócios são diferentes. Aqui também existem, logicamente, bons profissionais, o problema no entanto, é que a prestação de serviços por aqui é praticamente impagável.
Em conta do isolamento e da enorme distância que temos para com o mundo, afinal, vivemos nos confins de Schlitz, distantes quase quarenta quilômetros de uma quitanda, obriguei-me a comprar um segundo carro. Por favor, não me apedrejem ainda. Sei que é o consumo humano que consome o mundo, mas quando o inverno chega e os termômetros marcam dez graus negativos, tenho dificuldade em ir de bicicleta ao mercadinho, afinal é o equivalente a distância entre Pomerode e Gaspar.
Enfim, nós compramos (Simone está sempre junto. Na verdade ela é a protagonista de todo o negócio) um VW Lupo, para relembrar o primeiro carro que tivemos aqui na terra de Herta Müller.
Outro dia ao fechar, delicadamente, a porta, o pegador se partiu. Meu filho me olhou admirado. Para ele eu sou o Incrível Hulk um pouco gordinho e sem a detestável cor verde. E agora, o que eu iria fazer? Onde estaria o Aumir para me salvar de uma dessas? Se eu mandasse arrumar o pegador, certamente deixaria na oficina, para um trabalho de quinze minutos, doloridos trezentos euros!
É aí, meus queridos, que entra o famosíssimo e genuinamente europeu “faça você mesmo!” Aqui, pela necessidade, todos são meio engenheiros, pedreiros, mecânicos, padeiros, encanadores, montadores de móveis, enfim, prestadores de serviços gerais de si mesmos.
Eu estava decidido a consertar o Lupo sozinho e o primeiro passo era encontrar a peça perfeita. O ferro-velho mais próximo ficava a uma centena de quilômetros de minha casa. Foi então que descobri a magia de uma “Schlachtfest” (falo sobre isso na próxima postagem). Com a peça em mãos, fui para o YouTube pesquisar “VW Lupo Türkleidungen demontieren“.
Três horas de trabalho intenso. Eu ali montando, parafusando e utilizando mais uma infinidade de gerúndios. Quando descobri que o cara do “Schlachtfest” me vendeu o puxador direito em vez do esquerdo, soltei em alemão, a gama de palavrões que durante essa década e meia aqui vivendo, aprendi com outros estrangeiros.
Bom, mas para ser um pouco Raul, quem não tem colírio usa óculos escuros. Nada que um parafuso maior não resolva, pensei. Ledo engano. O parafuso pegou um fiozinho, daqueles que fazem o vidro da porta descer e subir. De repente, toda a parte interna da porta ruiu diante de meus olhos. Já não era mais o Hulk e sim o Pateta.Comecei a chorar de saudade da minha Pequena Alemanha e tudo o que eu tinha ali. Arrasado, me obriguei a levar o Lupo para um “KFZ Auto Service”.
Para o “Automechaniker” certificado, qualificado, experiente, foram trinta e dois minutos. Para mim, no entanto, foram quatrocentos e oitenta euros, além da frustração de não ter nascido nem para ser um meio mecânico.