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A torturinha cotidiana

Na minha opinião, testada empiricamente, todos nós gostamos de torturar os outros. Não falo daquela tortura estilo ditadura militar (aliás, apoio incondicionalmente o grupo Tortura nunca mais) ou do que se fazia durante a Idade Média. Lembro que fui ver uma exposição de objetos utilizados na época, tudo muito interessante, porém cruel e tenebroso também.
Bom, mas sabe aquela torturinha cotidiana, a tempestade em copo d’agua, o falar ininterrupto trinta ou sessenta minutos, as patéticas lições de moral? Tudo isso faz parte da tortura da nóia, do ciúme, da indiferença, do medo, da insegurança. É fato que torturamo-nos uns aos outros. Professores torturam educandos (para utilizar uma nomenclatura atual), maridos suas mulheres, patrões seus empregados, mães seus filhos e é claro vice e versa.
Ontem mesmo aqui em casa, lá pelas onze da noite, Thommy resolveu ouvir rádio no volume máximo. Tortura não só para o companheiro de quarto, mas também para os outros três que dividem o chamado canto dos meninos. Torturou tanto que, em contrapartida, no outro dia os colegas o torturaram ao esconder seu rádio.
Não podemos esquecer a auto tortura, muito mais simples e fascinante do que a autoajuda, afinal adoramos sentir dor por nossa própria conta ou culpa.
Percebo que para muitos a própria vida parece ser uma verdadeira tortura…

Qual é o seu "Wilson"?

É engraçado como a maioria das coisas, nesse nosso mundo capitalista, você adquire, consome e depois de um tempo simplesmente esquece. Existem é claro, raras exceções, objetos inanimados que conseguem se personificar de tal maneira que passam a fazer parte integral da sua vida. A criação premeditada ou não de uma ligação tão íntima e profunda que muitos dos que te olham de fora, acham apenas engraçado, estranho, ridículo.
O filme O náufrago mostra isso na amizade construída entre um homem e uma “simples” bola apelidada de Wilson. Desde que saí do Brasil, há algum tempo, carrego sempre comigo um pequeno Dicionário. Lembro nitidamente da tarde em que o toquei e o levei comigo para sempre. Eu trabalhava em uma livraria e, durante as pausas, estudava alemão sozinho com alguns livros e fitas K7. Depois de algumas semanas e um punhado de dificuldades acabou o interesse. Joguei tudo dentro de uma caixa e, já em casa, atrás da lavanderia, no quarto onde tudo era guardado, arranjei um espaço para perdê-lo. Anos mais tarde, em uma daquelas buscas de verão, lavado em suor, o reencontrei e do meu bolso jamais saiu. Posso dizer que graças a ele me expresso de forma razoável na nova língua e sendo um pouco Vinicius agora, nossa amizade é tão verdadeira que eu suportaria, não sem dor, perder todos os meu amores, mas enlouqueceria se perdesse meu doce e querido “L”. E você, qual é o seu Wilson?

O melhor dos mundos possíveis

De repente você se torna adulto em uma vida construída pelas suas próprias escolhas, porém acorda todos os dias com uma estranha sensação de que nada foi premeditado e tudo simplesmente aconteceu independente da sua vontade.
Ao contrário do caos interno, tudo está perfeito! O envelhecimento na medida certa, a redescoberta, aos trinta anos, do corpo.
De sedentário beberrão você passou a pedalar quase trinta quilômetros todos os dias, bebe menos, come na medida certa, trabalha num lugar mágico, ainda por cima fala uma nova língua e lê (no original) aquele bando de pensadores que, embora te causaram inúmeras dores de cabeça na Universidade, você sempre admirou.
ORGULHO deveria ser a sua palavra pelo fato de que foram certamente, induzidas ou não, as melhores escolhas e você meu amigo, seguindo nosso amado Leibniz, não pode esquecer de que vive no melhor dos mundos possíveis!
Mas, a pergunta que fica é por que existe sempre um maldito “mas”, um “porém” desnecessário e um “apesar” que acaba com tudo?
A foto é de um dos campos de trigo que tenho a oportunidade de ver crescer aqui de casa…
Acho que é por eles que tenho andado tanto de bicicleta!