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O videozinho da discórdia

Vivemos em um mundo de meias-verdades, tomamos pequenos recortes como peça inteira. O outro nos causa asco, e, realmente, Sartre nunca esteve tão certo… o inferno são os outros!
Eu a vi tendo um piripaque na frente da câmera. Indignada, gesticulava com uma folha de papel dizendo que iria acionar o ministério público, pois aquelas eram declarações xenofóbicas. Quase no fim do vídeo, “dores pra lá”, mão no queixo estilo Sherlock Holmes, a acusação… “em 2013 tinha um corpo estendido em uma pousada e não fui eu quem o matou!” Enfim, a empatia pela dor do outro fora suplantada pela malevolência.
Faltou, ao fundo, uma fanfarra a fazer música de suspense. No entanto, o jeitão raivoso e histérico da moça, confesso, chamou a minha atenção.
Não girou a cabeça 360 graus, tampouco vomitou pasta de abacate, mas de resto, estava possuída… pela raiva.
Antes de emitir qualquer juízo de valor é preciso certificar-se das acusações, afinal xenofobia e assassinato são coisas gravíssimas e inaceitáveis.
O mundo virtual é dominado por falsos moralistas perpetradores do ódio. Já não sabemos mais opinar e esquecemos de nos perguntar sobre a veracidade dos fatos. Por isso, amigos, todo cuidado é pouco.
O engraçado nessa história é que, passados dois anos da publicação de uma matéria no Süddeutsche Zeitung, finalmente a indignação bateu à porta da tal mulher e o telefone não parou mais de tocar. Isso tudo, coincidentemente, bem à época de escolhermos o nosso novo Senhor Feudal.
A atual vice Senhora Feudal do município, mesmo não tendo interesse, obrigou-se a assistir tal encenação. Foi alvejada por acusações e, no caso, nada mais sensato do que se defender. O tom não era de indignação e sim de tristeza. Revidou todas as malsinações e, com a voz emborcada, tendo como pano de fundo uma cortina horrível, disse estar sendo vítima de um golpe baixo e que não é disso que Pomerode precisa.
Fato é que precisamos conversar com urgência sobre a nossa identidade, sobre o nosso “orgulho germânico”, sobre alemães de Pomerode e alemães da Alemanha, sobre estrangeiros vindos do Brasil, sobre racismo, sobre fazer vídeos com cortinas medonhas e sobre dar piti sem esclarecer fatos para, talvez, ganhar alguns votos.

O restaurante da esquina e a escória

Há muito tempo atrás eu era balconista em uma loja cujo nome, por questões de privacidade digital, não convém dizer, mas que, além de outras coisas, vendia REvistas, FOtografias, PApéis, JOrnais e LIvros. Ali perto, em uma das principais esquinas da cidade funcionava um tradicional restaurante de nome puramente alemão. A tradução para o português seria, se não me engano, Alfaiate. Bom, na minha época a fachada era branca, hoje, pelo que eu sei, é verde musgo. Aos sábados, lá pelo meio-dia, quando terminava o expediente na loja, eu me presenteava com um delicioso pastel de queijo e uma Choco-leite. Eu gostava um bocado de ficar ali naquele balcão de fórmica a ouvir um dos donos do estabelecimento. Garçom e professor de física na escola particular da cidade. O lugar tinha um ar, digamos, deveras familiar. A exceção eram os sábados, ou melhor, die Sonnabende , para ser um pouco Pequena Alemanha. Assim que os ponteiros do relógio da Igreja Luterana apontavam para o número doze, eles chegavam. Pediam cerveja, riam alto, ocupavam parte da calçada, encaravam e mexiam com as meninas que por ali passavam.
Eu tomava minha Choco-leite e ficava a ouvir os despautérios da pseudoelite de nosso feudo.
Ali, reuniam-se, entre outros abobalhados, o filho do dono da Farmácia que, anos depois, pouco antes de eu sair de Pomerode, assumiu o lugar do pai, o arquiteto cabeludinho, o barrigudinho que trabalhava em uma contabilidade, um atual dono de jornal, um médico, alguns empresários e comerciantes. Os gajos falavam grosserias e comportavam-se mal. Soltavam, sem papas na língua, muitas mentiras, nas quais acreditavam piamente. Caluniavam, julgavam e, com certo sadismo, condenavam. Seu alvo principal: Mulheres!
Quando passava uma menina eles soltavam comentários do tipo “se já tem trinta (quilos) está pronta para o abate”. Todos riam, grunhiam  e esvaziavam seus copos. Alguns fumavam, outros davam tapinhas nas costas do nobre cidadão que tinha proferido tal pérola.
Aqueles abjetos acreditavam que as mulheres existiam para serem consumidas. Classificavam-nas em “essa dá para comer”; “aquela ali é Raimunda, feia de cara, mas boa de bunda”.
Com o sol a pino e na frente de todos, eles combinavam as infames pescarias no Pantanal. Programa dos maridos, coisa de homem. Pescar e falar de futebol, apenas. As mulheres ficavam em casa, pois tinham que cuidar dos filhos. No máximo sair com as amigas para ir na pizzaria de nome, tradução literal, “Bonita”.
Não era preciso muito tempo ali no balcão para descobrir que pescaria rimava com orgia e barco era sinônimo de zona de luxo ou prostíbulo cinco estrelas. Talvez, no último dia, entravam em uma lancha e pescavam um dourado para, em foto, acalmar o ânimo das sôfregas esposas.
Eu terminava minha Choco-leite e partia em andanças solitárias pelas margens de um Rio do Testo sem peixes, porém cheio de cacos de porcelana. Eu precisava de ar para apagar da memória a imagem daqueles seres nefastos de camisa polo Lacoste e sapatênis. No entanto, foi com a escória de nossa cidade, confesso, que aprendi algo simples e fundamental… simplesmente não ser aquilo que aqueles sujeitos eram.

Pomerode acima de tudo? Não! Uma Pomerode COM e PARA todos seria muito melhor

O que é Pomerode? Onde está a beleza e o valor do lugar que tanto amamos? Aquilo que mais encanta na pequena cidade de conto de fadas, arrisco-me a dizer, são as pessoas que ali habitam.
Quando estamos doentes, vamos ao posto de saúde e somos atendidos por profissionais competentíssimos. Quem são essas pessoas? Pessoas que amam e nos cuidam.
Quando deixamos nossos filhos na creche ou na escola, os entregamos com a maior confiança porque sabemos que ali estão educadoras e educadores que cuidam e amam.
O lixo recolhido em nossa porta, a água que tomamos, o saneamento básico, nossas estradas, vielas, caminhos, a iluminação pública, as pontes que nos ligam, toda essa complexidade que nos afeta diretamente e torna a vida possível é feita por gente. Gente que ama e cuida. Gente, assim como eu e você.
Não importa se Pomerode é a cidade mais alemã do Brasil ou se é a nossa Pequena Alemanha. Pomerode é aquilo que cada um que ali vive faz dela e ela, em minha opinião, não deve estar acima de tudo. Nossa cidade é um vir-a-ser e tem que estar em nossos corações, jamais acima deles.
Tal mote denota hierarquia. A forma piramidal de uns acima dos outros e algo maior acima de tudo não condiz com a democracia. O modelo democrático que eu acredito é circular, tal como uma mandala. Cada parte (uma parte é um todo) seja ela minúscula, média ou grande, é essencial. Assim o é também com o nosso município. Cada um que ali vive é essencial. Seja um empresário ou comerciante a gerar empregos, seja uma família de classe alta, média ou baixa, ou simplesmente uma única pessoa a ali viver.
Cada espaço e cada ser do nosso município é de suma importância e deve ser respeitado em seu valor pelo futuro prefeito. E que este cuide e ame, não Pomerode em si, mas as pessoas que levam cotidianamente Pomerode em seus corações.

Pequena Alemanha não! Grande Pomerode!

O termo “Pequena Alemanha” é bonitinho, mas acredito, meus amigos, que somos muito mais do que isso.
Não sei se vocês se lembram da história da moça que chega no ponto, no exato momento em que o ônibus parte. Ela, desolada, diz:
– Poxa, perdi o ônibus!
Então um sábio, ao seu lado, profere:
– Você não perdeu nada! Foi o ônibus que te perdeu. Valorize-se!
É justamente isso que acontece com a ideia de Pequena Alemanha. Temos que virar o jogo! Afinal, todo morador da Pequena Alemanha, quer dizer, Pomerode, sabe que somos a última bolacha do pacotinho. Temos a menor Bíblia do mundo, o maior ovo de páscoa do universo. A Festa Pomerana é uma atração mundial, mil vezes melhor do que uma Oktoberfestzinha de Munique. Nossa natureza é exuberante. Olhos de boneca crescem por todos os lados, bugios cantam o pôr do sol, Kampfux (cachorros do mato) esgueiram-se pelos campos de capim elefante, periquitos verdes cruzam nosso céu anil, canários da telha, amarelinhos, dobram lindas melodias.
Nossa arquitetura é digna de ser considerada patrimônio mundial pela Unesco. A Rota do Enxaimel, por exemplo, é transcendental. Nossos portais, o prédio onde fica o restaurante Schroeder. O Museu Erwin Teichmann sobrepõe-se, sem exageros, a Capela Sistina.
Se formos falar em monumentos, o Rio de Janeiro tem o Cristo Redentor, Nova Iorque a Estátua da Liberdade, Detmold o Hermannsdenkmal, e Pomerode? Bom, temos a Estátua do Imigrante. O sujeito que enfrentou todos os infortúnios e chegou aqui de cabeça erguida a mostrar para todos o peito e a grandeza do seu machado.
Nossa economia é pujante. Temos a Schornstein, uma cerveja com alma, na Alemanha as cervejas possuem apenas lúpulo, malte, levedura e água.
Temos também, uma língua própria, afinal o porto-plattdeutsch é propriedade nossa, Poraman! Nosso PIB, se bobear, é maior do que o do Zimbábue.
É por tudo isso e, principalmente agora, ano eleitoral, meus queridos leitores, que temos que defender nossa honra. Não somos uma Pequena Alemanha, ao contrário, a Alemanha é uma grande Pomerode.

Dementes e de mitos ou passaporte pomerodense

Irineu Voigtlander era uma espécie de Schiller da nossa cidade, quando não, muito mais lírico e profundo do que seu “irmão” de profissão. Ele nos tocava a alma e seu livro habitava as estantes de muitas casas da Pequena Alemanha. Dementes e de mitos era o nome da sua obra-prima. Autor selecionado da Editora da UFSC, uma das mais conceituadas universidades da América Latina. Tal livro era uma espécie de passaporte. Só quem o possuísse podia ser considerado cidadão da Pequena Alemanha. Conseguir um exemplar daquele suprassumo não era fácil. Não se podia comprar em livraria, assim como não se compra, em uma banca de revistas, por exemplo, uma nacionalidade. O livro Dementes e de mitos precisava ser conquistado, herdado, recebido com honrarias pelo Chefe de Estado-maior, na época, o excelentíssimo prefeito municipal Nelson Kickhoefel, vulgo Kika.
Assim como um alemão, para ser alemão, tem por obrigação ler Fausto; um espanhol Dom Quixote; um moçambicano Terra Sonâmbula; um francês O estrangeiro; um “pequeno alemaniense” para pertencer a Pequena Alemanha, tem por obrigação, ler Dementes e de mitos, a expressão máxima da nossa cultura.
Meu exemplar, esta relíquia, guardada no cofre da família, eu recebi das mãos do próprio autor. Eu freqüentava o ensino médio no período noturno no JB e durante o dia trabalhava na medição de terrenos e construções. Era uma forma de ganhar uns trocados para poder curtir o máximo da efervescência dançante de Pomerode: a lendária Jord’s Som (vou falar dela em uma outra postagem).
Eu não conhecia as letras, ou melhor, sabia escrever o meu nome e até gostava de ler uns gibis, mas um livro de poesias me era algo tão desconhecido quanto o profundo oceano de minha alma.
Eis que estava eu lá, num dia nublado, a medir o terreno daquele, no sentido literal, gigante senhor. Em cima do terreno havia uma casa, havia uma casa em cima do terreno. Nunca me esquecerei daquele acontecimento extraordinário. Eu, com a trena em mãos, a medir uma parede quando, de repente, um homenzarrão aparece.
– Bom dia. – Disse-me ele, com seus cabelos brancos, óculos e um cheiro de sabedoria tão poderoso que eu parecia estar na própria Biblioteca de Alexandria.
– Que fazes por aqui? – Continuou ele, com uma seriedade fora do comum.
O modo penetrante como ele entoou aquela interrogação mudou, confesso, a minha vida. Expliquei-lhe, gaguejando, sobre o levantamento topográfico da Prefeitura. Muitos soltavam-me (novamente um sentido literal) os cachorros. Irineu Voigtlander, não. Ele convidou-me para um café e, ao fim de meu primeiro diálogo genuinamente filosófico, cuja essência não entendi patavinas, granjeou-me com um exemplar autografado, em minha opinião, da mais opulenta obra da literatura mundial: o livro “Dementes e de mitos”. Afinal, como escreveu Irineu Voigtlander… “no mais deformado das paisagens, eu marquei minha única linha reta: a hora de não mais voltar.”