O tempo e a inveja

Somos todos tão diversos. Estamos sempre falando sobre isso apesar de não entendermos o seu significado mais profundo. Somos condicionados a aceitar coisas que em nosso íntimo não concordamos. O constante mascaramento do nosso ser é, eu sei, tema velho, porém jamais batido.
Na verdade eu queria escrever sobre o meu encanto pela diversidade climática do planeta e pela constante insatisfação humana.
Passo horas em meu globo a admirar o Equador esse traço imaginário que divide a Terra em dois hemisférios tão distintos. Eu, como o saudoso Mujica, também sou do sul e venho do sul. Morei algum tempo um pouco acima da esquina do Atlântico com o Rio da Prata. Um lugar que ainda hoje tenho como lar.
Aos trinta emigrei para o norte e desde então, um dos meus passatempos prediletos, com meu pai ao telefone, é comparar e reclamar do tempo. É a matéria-prima das nossas conversas, o motor inicial dos nossos diálogos. Assim que ele reconhece a minha voz, se põe logo a perguntar como está o clima por aqui. Em tempos de inverno alemão eu falo da neve, do frio, da escuridão e das árvores peladas. Ele, do outro lado, escuta, suspira e murmura a sua inveja pelo fato de eu estar com os pés gelados e andar de touca.
Terminada a minha lamuriosa explanação eu o indago sobre os ares subtropicais. Meu pai, em tom fúnebre, fala do calor infernal, do protetor solar 1500, das trovoadas parecidas com tufões, da astronômica conta de luz gerada pelo ar condicionado obsoleto. Eu escuto tudo calado, pensando na inveja que sinto de tomar um “sapecão”, de dormir somente de calção, de acordar encharcado, abrir a janela do apartamento e sentir aquele bafo atmosférico cheio de valentes mariposas e capaz de assar uma batata.
A loucura dessa história toda é que basta um dia no outro hemisfério para esquecermos tudo o que desejamos e sentir uma saudade bruta daquilo que não temos.

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