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Seminário (Peterson Quadros)

O primeiro dia de trabalho aconteceu num seminário sobre Educação Inclusiva. O início previsto para 7h30min foi Utópica. Chegamos às 8h30min e ainda estavam colhendo assinaturas para a entrega dos materiais.
Confesso que o material é uma das melhores partes de um seminário, depois vem o coffe break, é claro. Vamos começar pela pasta. Algumas são de tecido preto, bordadas com a colorida marca dos patrocinadores. Outro tipo é a pasta com alça de mão em PVC costurado, fechamento com zíper. Gravação personalizada em silk screen ou resinada. Vi essa especificação num site, parece um luxo. Existem também aquelas feitas de nylon. No entanto, acho que a mais comum é a de papelão colorido mesmo, a famosa pasta com elástico. Antes do fim do primeiro dia o elástico já soltou do canto. Você então começa a dar pequenos nós para ver se agüenta mais um pouco, até o fim quem sabe, se o papelão não começar a rasgar. Ganhei uma dessas, verde bandeira.
Com a pasta em mãos, o negócio é sair em disparada para o auditório onde serão proferidas as palestras, encontrar um bom lugar, de preferência de fácil escape para ir ao banheiro ou atender o celular. Já sentado, vem um momento de pura emoção, abrir a pasta. Qual será a surpresa? Um brinquedo? Dólares? Folders? O que vale é a imaginação. Doces instantes. Abri a pasta. Um folder gigantesco e mal impresso, um marcador de páginas artesanal, que gostei muito, um bloco de anotações, sem pauta, para brincar de cartunista quando o tédio pegar. Uma folha de avaliação e um crachá, que todo mundo usa quando sai para almoçar. Como gostam de andar pela cidade com aquilo pendurado. No canto da pasta a ferramenta mais importante, muito mais poderosa que a espada, uma caneta esferográfica. Peguei a minha Fix pen 0.7, cor preta, tubo transparente, made in China. Bic nacional é coisa rara, que pena. Iniciei minhas anotações. Escrevi por quase uma hora. Frases telegráficas e palavras soltas. Coisas do tipo Córtex central, glândula pineal, heterocronia, ontogênese, preciso diferenciar deficiência de distúrbio. Pausa para o caos, quero dizer, café. Quinze minutos.
Todas, pois havia apenas quatro homens no evento, saíram em disparada. Mal enxerguei a mesa cheia de pasteizinhos, pães de queijo, sanduíches, nega maluca, bolo de cenoura, biscoitos, café, leite, refrigerante. Enquanto me aproximava, senti cotovelos, esbarradas, leves empurrões, falsos sorrisos e muitos pedidos de desculpas. A fila do banheiro feminino estava quilométrica. A solução encontrada foi invadir o nosso. Tive que segurar o xixi.
Enfim, depois de quase quarenta minutos, voltamos para a palestra. Bloco de anotações aberto, desenhei algumas corujas, anotei mais uma dúzia de coisas. Vamos acabar com os rótulos! Pedagogia tecnicista baseada na atenção, concentração, memória. Onde está a sensação, percepção e linguagem? O tal doutor era bom, realmente me convenceu. Discurso maravilhoso, envolvente, queria saber o final. Qual seria a conclusão daquele gênio? É por isso que eu digo: se continuarmos nesse caminho, “MENAS” gente vai sofrer!
Preciso escrever mais? Seminário e primeiro dia de trabalho são assim mesmo, ambos cheios de encantamentos, desilusões, expectativas e muito aprendizado.

Cafés e presentes de casamento (Peterson Quadros)

Café é algo nosso! Até já provei café colombiano e, confesso, que eles até são bons, mas não chegam aos pés do aroma e da cremosidade do café brasileiro. Com o tempo nos tornamos mestres nessa arte e pra aprender a fazer ou apreciar, só mesmo morando nesse país que beira os trinta graus à sombra. É engraçado que ainda por cima tomamos café muitíssimo quente. É o regá-lo da manhã, a digestão do almoço e o que nos desperta durante a tarde.
Não sei direito a história do café, mas é verdade que na minha história, ele está presente todos os dias. Casei há pouco tempo. Decidimos não fazer lista de presente e ver o que as pessoas, pelo que nos conheciam, acabariam nos dando. Descobri que temos cara de café, pelo menos eu. Ganhamos 12 jogos de café, alguns até com bandeja, 2 cafeteiras elétricas e uma chaleira para café expresso. Enfim, amei os presentes!!! Individualmente impessoais, pelo conjunto que se formou, se tornaram exóticos.
Em nosso apartamento, xícaras grandes com estampas coloridas de animais brasileiros contrastaram com outras em formato de cubo. Alguns conjuntos permaneciam em suas delicadas caixas, outros ganharam um lugar no armário…
Como o casamento foi em dezembro e logo em seguida viajamos, quando voltamos fui direto ao supermercado e comprei 12 pacotes de café, Mellita, é claro. Um para cada jogo que ganhei. Elegi uma das cafeteiras para fazer o serviço e iniciei minha epopéia. O objetivo é terminar no dia 31 de dezembro, utilizando um pacote e um conjunto por mês.
Este mês estou completando um quarto da prazerosa peregrinação e descobri uma coisa importante. Quando o café é bom, as xícaras pouco diferem uma das outras. Acho que é por isso que tanta gente não se preocupa com elas. Afinal, seja em porcelana ou em copo de vidro, o nosso café, é realmente o melhor

Loira do banheiro (Peterson Quadros)

Em apenas uma semana, duas portas destruídas. Quase que a diretora decretou estado de calamidade pública. Estávamos diante de uma revolução e a culpada por isso era a tal Loira do Banheiro. No dia da reunião, vi professoras à beira de um ataque de nervos. Houve quem passou mal. Cada uma ganhou cinco minutos para falar. Abdiquei do meu discurso e fiquei com a árdua missão de escrever a ata.
– Precisamos fazer alguma coisa senão ela vai acabar com a escola!
– É um momento crítico!
– Tranquem os banheiros!
– Não, isso fere os princípios democráticos de nossa Associação.
– Estou com medo!
– Vamos chamar os pais para uma reunião.
A discussão durou horas e não chegamos a lugar nenhum. Já era quase dez da noite quando Rosimeri teve a brilhante idéia:
– Vamos invocá-la!
– Eu concordo!
– Mas se ela aparecer de verdade?
– Seremos vinte contra uma, ganharemos com certeza!
– Não sei.
– Olha, se tu não nos acompanhar, vais ficar sozinha.
– Tudo bem, eu vou.
– Alguém sabe como fazer?
Eu tinha visto as crianças destruírem uma das portas, acompanhei o ritual e sabia o que fazer:
– Primeiro entramos todos no banheiro e desligamos a luz, depois começamos a falar palavrões, abre-se a tampa do vaso sanitário, escarramos ali dentro e repetimos três vezes: “Loira do pau oco a tua presença eu invoco!” Dizem que depois disso, ela aparece refletida no espelho.
– Ai meu Deus, eu ainda não acredito que estamos fazendo isso.
– Shhhhhhhh.
– É, tem coisas que não se aprende no mestrado em educação.
– Continuo com medo!
– Shhhhhhhhhh.
Depois do terceiro “invoco”, um incauto flash de máquina fotográfica, fez a mulherada entrar em pânico, berrar desenfreadamente, arrombar a porta com chutes grotescos e correr o mais rápido possível. Vi gente ser atropelada, algumas se espatifaram no chão depois de tropeçar nas raízes da velha figueira, outras corriam e rezavam, algumas se agarraram ao celular e chorando pediam para seus maridos virem buscá-las.
No outro dia, ninguém comentou. O zelador estranhou. Ao perguntar, levou uma bronca da diretora, que mandou tirar todos os espelhos, colocar portas de ferro e fixar, em cada banheiro, a seguinte placa:
PERIGO!
LOIRA DE OUTRO MUNDO. AO ENTRAR, NÃO ESQUEÇA DE DESLIGAR A MÁQUINA FOTOGRÁFICA!

Felicidade (Peterson Quadros)

Felicidade é algo que sempre está nos planos, principalmente hoje. O dia tinha começado quente. Nenhuma nuvem no céu. O termômetro de raios ultravioletas apontava para o vermelho. O sol massacrava a cara de qualquer desprotegido. Eu tinha esquecido o par de óculos em casa. Para continuar, tive que franzir a testa até quase fechar os olhos. Quando cheguei na ponte, não havia trânsito, estava tudo parado, uma fila imensa de carros. Esperei alguns minutos, abri o porta-luvas, o MP3 não estava lá. Fiquei sem música.
O calor aumentou, gotículas de suor apareceram em minha testa, outra gota saiu das minhas axilas e escorregou até as costas, onde se dissipou na camiseta. Não havia toalhas no carro, apenas o bafo que soprava da fila ao lado, mas que pelo menos andava. A fumaça de um caminhão me deixou tonto. Pensei estar intoxicado, mas não tinha o que fazer. Ao meu lado, a única coisa que me separava do mar, era um guard hail enferrujado. O vento quente metia um porrete na minha pressão, que por sinal já estava lá no pé.
Achei que iria morrer. Foi naquele exato momento que vi Felicidade pela primeira vez. Enquanto eu estava parado na fila, praticamente deixando meu corpo, Felicidade passou por mim em um Chevette, ano oitenta e três, azul cintilante com faixas pretas pintadas nas laterais, rebaixado e com filme no vidro de trás. O do carona não existia, dava para enxergar dentro do automóvel, onde um sujeito dançava e se penteava. Era um senhor de bigodes, óculos de caminhoneiro da década de oitenta. Tinha relógio com pulseira de metal e seu cacoete era ficar chacoalhando a mão para ver as horas. Ele escutava “La bamba”, pulava sentado, dirigia, cantava. Aos poucos as rodas do Chevette foram girando, a cabeça do maldito cachorrinho de plástico que mostra a língua ficou balançando, balançando, parecia olhar para mim… Felicidade foi, eu fiquei na fila, esperando infeliz, mais um tanto.