O restaurante da esquina e a escória

Há muito tempo atrás eu era balconista em uma loja cujo nome, por questões de privacidade digital, não convém dizer, mas que, além de outras coisas, vendia REvistas, FOtografias, PApéis, JOrnais e LIvros. Ali perto, em uma das principais esquinas da cidade funcionava um tradicional restaurante de nome puramente alemão. A tradução para o português seria, se não me engano, Alfaiate. Bom, na minha época a fachada era branca, hoje, pelo que eu sei, é verde musgo. Aos sábados, lá pelo meio-dia, quando terminava o expediente na loja, eu me presenteava com um delicioso pastel de queijo e uma Choco-leite. Eu gostava um bocado de ficar ali naquele balcão de fórmica a ouvir um dos donos do estabelecimento. Garçom e professor de física na escola particular da cidade. O lugar tinha um ar, digamos, deveras familiar. A exceção eram os sábados, ou melhor, die Sonnabende , para ser um pouco Pequena Alemanha. Assim que os ponteiros do relógio da Igreja Luterana apontavam para o número doze, eles chegavam. Pediam cerveja, riam alto, ocupavam parte da calçada, encaravam e mexiam com as meninas que por ali passavam.
Eu tomava minha Choco-leite e ficava a ouvir os despautérios da pseudoelite de nosso feudo.
Ali, reuniam-se, entre outros abobalhados, o filho do dono da Farmácia que, anos depois, pouco antes de eu sair de Pomerode, assumiu o lugar do pai, o arquiteto cabeludinho, o barrigudinho que trabalhava em uma contabilidade, um atual dono de jornal, um médico, alguns empresários e comerciantes. Os gajos falavam grosserias e comportavam-se mal. Soltavam, sem papas na língua, muitas mentiras, nas quais acreditavam piamente. Caluniavam, julgavam e, com certo sadismo, condenavam. Seu alvo principal: Mulheres!
Quando passava uma menina eles soltavam comentários do tipo “se já tem trinta (quilos) está pronta para o abate”. Todos riam, grunhiam  e esvaziavam seus copos. Alguns fumavam, outros davam tapinhas nas costas do nobre cidadão que tinha proferido tal pérola.
Aqueles abjetos acreditavam que as mulheres existiam para serem consumidas. Classificavam-nas em “essa dá para comer”; “aquela ali é Raimunda, feia de cara, mas boa de bunda”.
Com o sol a pino e na frente de todos, eles combinavam as infames pescarias no Pantanal. Programa dos maridos, coisa de homem. Pescar e falar de futebol, apenas. As mulheres ficavam em casa, pois tinham que cuidar dos filhos. No máximo sair com as amigas para ir na pizzaria de nome, tradução literal, “Bonita”.
Não era preciso muito tempo ali no balcão para descobrir que pescaria rimava com orgia e barco era sinônimo de zona de luxo ou prostíbulo cinco estrelas. Talvez, no último dia, entravam em uma lancha e pescavam um dourado para, em foto, acalmar o ânimo das sôfregas esposas.
Eu terminava minha Choco-leite e partia em andanças solitárias pelas margens de um Rio do Testo sem peixes, porém cheio de cacos de porcelana. Eu precisava de ar para apagar da memória a imagem daqueles seres nefastos de camisa polo Lacoste e sapatênis. No entanto, foi com a escória de nossa cidade, confesso, que aprendi algo simples e fundamental… simplesmente não ser aquilo que aqueles sujeitos eram.