Lista de material escolar

A loja ficava no centro da cidade. Era uma charmosa construção enxaimel com gerânios a adornar os parapeitos das janelas.
Eu trabalhava como balconista naquele comércio especializado em revistas, fotografias, papelaria, jornais, livros entre milhares de outras quinquilharias, como por exemplo, material escolar.
O verão sempre foi um período de poucas vendas. Devido ao calor infernal e a ausência de vento, muitos pomerodenses fogem para o litoral.
No entanto, pouco antes do início do ano letivo, tudo se transformava.
Uma miríade de pais, mães e filhos invadiam a loja com enormes listas. Famílias inteiras apinhavam-se no balcão da loja. Nós éramos caçados como verdadeiras “pseudocelebridades”. Depois de muita espera, havia famílias que chegavam a chorar de alegria com a  simples pergunta:
– Vocês já foram atendidos?
Minha estratégia era sempre começar pelos itens que não geravam conflito como, por exemplo, cartolina, papel crepom e plástico transparente.
Depois vinham os cadernos. Capa dura ou capa normal? Bom, discussões estéticas entre os membros de uma família, confesso, não era um problema dos mais sérios.
O negócio complicava mesmo era com as caixas de lápis de cor. Tal escolha foi motivo, tenho certeza, de um número sem-fim de separações.
A criança tentava ganhar uma de trinta e seis, o pai argumentava que na época dele não tinha esse negócio. Lápis de cor era a caixa de doze e, ainda por cima, a pequena. As mães intercediam pelos pequenos… “Quem sabe levamos a caixa de vinte e quatro, assim todos ficamos felizes.”
O clima de guerra se acentuava nas pequenas coisas. Lápis ou lapiseira? Borracha branca  pequena ou grande em forma de elefante? Penal, de napa simples ou de náilon com três pavimentos? Régua acrílica com a tabuada impressa ou de madeira? Giz de cera “jumbo” ou do magrinho que só de olhar já se quebra inteiro?
Cada pergunta por mim proferida gerava discussões acaloradas. Caneta Bic era castigo. A mãe olhava para o “serzinho” e dizia: “Se tu não se comportar vou levar apenas uma caneta Bic para ti! Na minha época a gente só tinha isso!”
Teve uma vez que, no intuito de conseguir um apontador de trenzinho, um menino forjou um ataque epilético com direito a contrações musculares e tudo mais. A mãe, desesperada, chamou o pai. Assim que este apareceu o menino levantou prontamente e achou lindo o apontador de ferro simples.
Naqueles anos que ali trabalhei  vendendo material escolar, vi crianças sendo arrastadas pelo chão até o carro; maridos gritando com suas mulheres, mulheres berrando com seus maridos, crianças tomando cascudo, puxões de orelha, beliscões.
Aterrorizante era quando a mãe ou o pai, de fala baixa e sem muitas expressões, olhava para a filha ou filho a ter um chilique e dizia: Em casa a gente conversa.
Eu, em minha voluntária  posição de “conciliador familiar”, mostrava para as crianças o quão legal era ter um apontador sem lixeira pois era a chance de poder levantar e dar um “rolê” pela sala para apontar o lápis. Além do mais, a caixa de lápis de cor de doze cores era leve e possibilitava um número sem-fim de combinações. Monet permaneceria Monet com apenas duas cores. Com doze cores diferentes era possível criar um universo.
Dada minha dialética enfadonha, muitas crianças, infelizmente, passaram a me odiar, mas, quando a criança aceitava meus argumentos, a família jubilava e me agradecia sem parar.
Não era fácil sobreviver aquelas listas. Digo mais, se eu fosse padre, em vez de mandar meus confessionários rezarem eu os mandaria vender uma, duas ou três listas de material escolar, dependendo o tamanho do pecado.