Felicidade (Peterson Quadros)

Felicidade é algo que sempre está nos planos, principalmente hoje. O dia tinha começado quente. Nenhuma nuvem no céu. O termômetro de raios ultravioletas apontava para o vermelho. O sol massacrava a cara de qualquer desprotegido. Eu tinha esquecido o par de óculos em casa. Para continuar, tive que franzir a testa até quase fechar os olhos. Quando cheguei na ponte, não havia trânsito, estava tudo parado, uma fila imensa de carros. Esperei alguns minutos, abri o porta-luvas, o MP3 não estava lá. Fiquei sem música.
O calor aumentou, gotículas de suor apareceram em minha testa, outra gota saiu das minhas axilas e escorregou até as costas, onde se dissipou na camiseta. Não havia toalhas no carro, apenas o bafo que soprava da fila ao lado, mas que pelo menos andava. A fumaça de um caminhão me deixou tonto. Pensei estar intoxicado, mas não tinha o que fazer. Ao meu lado, a única coisa que me separava do mar, era um guard hail enferrujado. O vento quente metia um porrete na minha pressão, que por sinal já estava lá no pé.
Achei que iria morrer. Foi naquele exato momento que vi Felicidade pela primeira vez. Enquanto eu estava parado na fila, praticamente deixando meu corpo, Felicidade passou por mim em um Chevette, ano oitenta e três, azul cintilante com faixas pretas pintadas nas laterais, rebaixado e com filme no vidro de trás. O do carona não existia, dava para enxergar dentro do automóvel, onde um sujeito dançava e se penteava. Era um senhor de bigodes, óculos de caminhoneiro da década de oitenta. Tinha relógio com pulseira de metal e seu cacoete era ficar chacoalhando a mão para ver as horas. Ele escutava “La bamba”, pulava sentado, dirigia, cantava. Aos poucos as rodas do Chevette foram girando, a cabeça do maldito cachorrinho de plástico que mostra a língua ficou balançando, balançando, parecia olhar para mim… Felicidade foi, eu fiquei na fila, esperando infeliz, mais um tanto.