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O menino que amava cestos…de roupas

Gosto muito desses livros que as livrarias insistem em chamar de infantis. Também não concordo com a ideia de classificar os livros de acordo com a faixa etária daqueles que o leem. Livro bom não se prende a idades nem a tamanhos.
Eu, por exemplo, guardo em minha estante alguns exemplares fininhos e para crianças a partir de sete anos, que mudaram a minha vida. Até hoje, quando espiritualmente necessito, recorro a eles na minha busca por conforto.
Um desses tesouros se chama O homem que amava caixas (para ver e ouvir a história clique na capa). Vez ou outra o tenho na mão e, como a maioria das coisas belas, a simplicidade da história e das ilustrações é que encanta.

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Outro dia estava eu jogado no sofá, com a tal obra-prima na mão. Pensava na minha relação com Gabriel, nas possíveis formas de dizer e mostrar o quanto eu o amo. Ele engatinhava feliz pela sala. O tapete estava cheio de brinquedos legais. A maioria de madeira, formato Waldorf, escolhidos pedagogicamente a dedo. Um sonho de acordo com a minha concepção de infância. No entanto, eu tenho a concepção, mas o Gabriel tem a infância. Esquecido num canto, um cesto rubro de plástico vazio desperta a atenção da criaturinha. Ele se estica para alcançá-lo. Quando suas mãozinhas encostam o tal objeto, um sorriso de satisfação enche-lhe o rosto. Vejo nos seus olhos possibilidades não premeditadas. Os minutos futuros seriam preenchidos apenas com uma exploração casual, livre de conceitos anteriores.
De posse do novo “brinquedo” inicia-se o exame empírico e minucioso do trambolho. Vira para um lado, para o outro, pega, puxa, testa os possíveis sons a serem emitidos. Transforma o objeto num tambor gigante, em uma pista de pouso onde aterrissam desengonçadamente os brinquedos Waldorf. A tarde passa e o cesto suporta, calado, o seu destino. Eis que, de repente, quando Gabriel menos espera, o audaz objeto vermelho, a se valer de um impulso, dá o bote e praticamente o engole. Meu filho chora a pedir socorro. Eu vejo apenas seus pés. Rapidamente pulo do sofá e tal como um super-herói gigante (Sei que pode parecer pretensioso, mas vamos analisar as medidas: Gabriel 78 cm, Cesto 80 cm, Eu 178 cm. Logo, no caso em questão, sou sim um gigante) tiro o bicho de cima dele. Ele sorri aliviado, eu lhe dou um colo e um beijo.
No íntimo contato com aquele objeto cotidiano, Gabriel fez descobertas que certamente irão mudar a sua vida e, ao nosso modo, adaptamos o livro de Stephen Michael King.

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1986 – A copa de meu amigo Thomas

É a primeira que me lembro, eu já contava com 8 anos de vida e uma saudade bem estilo Casimiro de Abreu. Lembro do Pai trazendo bandeirinhas de plástico do Brasil. Uma febre que dominou a nossa casa, o restaurante do meu avô e depois avançou pela rua, deixando aquele pequeno pedaço de mundo completamente enfeitado de verde e amarelo.
Assisti partes da copa no restaurante, pouco em casa e a maioria com meu melhor amigo de infância: Thomas Eisenhut. Todos os dias, depois da aula, fazíamos campeonatos de pênaltis. A trave não tinha limite de altura e as laterais eram delimitadas pelos pés de chorão em frente a sua varanda. O muro curvado impedia muitas vezes que a bola rolasse até a estrada, mesmo assim entre um chute e outro precisávamos correr para apanhá-la. Acredito que nunca ganhei uma partida dele, mas valeu todo o esforço, todas as tentativas.
Eu sempre tive um verdadeiro fascínio e admiração por aquela família. O estilo matriarcal da avó que morava na Alemanha e de tempos em tempos os visitava, o respeito que tínhamos ao cumprimentá-la, a sua imponência, elegância e erudição. Eu gostava mesmo da fábrica de colorau onde consegui meus primeiros trocados ajudando a encher os saquinhos com aquele pó vermelho.
Fábio, o irmão mais velho de Thomas, que fechava os pacotes era, para mim uma espécie de guru, a síntese de uma geração que viveu em um país com inflação acima do normal, mas que guardava em si, de forma bonita e verdadeira a palavra esperança. Lembro quando ele quebrou o braço e nos mostrou o caderno universitário e a sua letra um pouco torta porque, embora destro, foi obrigado a escrever com a mão esquerda. Eu e Thomas bem que tentamos, sem sucesso, fazer o mesmo. O fato é que aquele sujeito, com sua estante feita de tijolos e tábuas de madeiras, com discos de vinil, perfumes e uma parafernália de outras coisas, estava para nós, como os aventureiros Lula e Juba estavam para o restante dos lares brasileiros.
A copa se desenrolava e nós acompanhávamos muitos jogos em uma pequenina e branca televisão. Era tudo engraçado, exótico, diferente, depois das partidas, acima daquilo que hoje é uma garagem ficava a laje, onde papos e brincadeiras de moleque rolavam soltos, sempre na companhia de Petra, a irmã mais velha, amiga querida e detentora de um bom humor eterno. Espero que no decurso da vida essa alegria não tenha se perdido.
Dona Marli, mãe zelosa, sempre a lidar no jardim, colhia flores, descia e subia escadas, arrumava, cozinhava, vez ou outra, devido a alguma “arteirice”, nos dava uma bronca, depois sorria de forma linda e amena.
Eu adorava estar ali, de comer naquela sala de jantar, do banco de madeira em forma de “L”, do cheiro peculiar, da beleza contida naquelas pessoas e do estranhamento de todos ao fato de eu adoçar, com imoderada quantidade, o café, já que para eles a torta em si já era suficientemente doce.
Dias antes da eliminação da seleção Brasileira, o pai de Thomas, armou uma daquelas barracas gigantes com dois quartos, varanda e espaço interno suficiente para se ficar em pé. Fui convidado a dormir ali e estrear o novo jogo de futebol de botão de meu amigo. Flamengo e Corinthias, os times preferidos de seu Tuca (um de alma outro de coração como ele próprio dizia), em acrílico e com direito a campo profissional. Aquele dia brincamos até a exaustão e caímos em sono lá pelas tantas da madrugada.
A final entre Alemanha e Argentina mexeu com os ânimos de meus vizinhos e foi ali, entre eles, que vi o triunfo da seleção sul-americana. Ficamos, em partes, tristes e saímos, Thomas e eu, a pedalar com nossas bicicletas BMX, por uma rua ainda de chão batido.
Tempos depois eu mudaria de colégio, de turno e de casa. O afastamento iminente para com eles aconteceu de forma abrupta, com poucos, esporádicos e assépticos reencontros. Em mim, permaneceu o carinho, as lembranças e a vontade de agradecer por tudo aquilo que aprendi com aquelas pessoas.
Obs.: Hoje tomo café sem açúcar,  afinal uma torta já é doce o suficiente!

Vinhetas Cotidianas 2009 (Peterson Quadros)

Fiz aniversário dia 5 de dezembro do ano velho e ainda não entrei totalmente em 2009. Trinta anos na cara e eu procurando saber se sou húngaro ou não, além disso, com passagem marcada para Alemanha onde vou ficar um ano.
A primeira postagem do Vinhetas são duas fotografias da segunda incursão pela cidade de Jaraguá do Sul, lugar onde as primeiras famílias húngaras se instalaram.
Os trilhos do trem cortam o centro da cidade. No país do asfalto é difícil encontrar lugares com uma linha ferroviária. Ali, embora a antiga estação tenha sido transformada em biblioteca pública e Cyber Café, as placas exigindo atenção permanecem erguidas, mesmo quase sem funcionalidade e com trilhos envoltos em mato forrageiro.