Um charuto para o professor (Peterson Quadros)

Vocês já reparam no que acontece quando um professor está triste? Logo ele recebe um abraço e sorri. Ás vezes a tarde empaca em uma determinada hora, a tarefa de sala segue difícil, eu fico ajudando um grupo, dou atenção para outro. Quando volto, sempre tem uma carta em cima da mesa. Na verdade é um bilhetinho dizendo coisas legais, de como você é importante para alguém.
No começo da aula, mal entro na sala, antes ainda de conseguir respirar, recebo flor, algum desenho, mandala pintada. Outro dia ganhei chocolate, uma carta, um cartão e uma espécie de cartola. Isso sem contar o… charuto!
Juro que a primeira coisa que pensei foi:

O ministério da saúde adverte: Fumar é prejudicial a saúde.

Mentalmente fui me defendendo: “Espera um pouco, eu não fumo!” Mesmo assim, o que dizer para a criança sorridente que me olhava contando a história de que os pais dela tinham comprado aquilo especialmente para mim. Durante aproximadamente um segundo, milhares de perguntas e poucas respostas ressoaram em meu cérebro: “Será que os dois viajaram para Cuba? Será que eu tenho cara de quem fuma charuto? Que imagem eu passo para as pessoas? Um tabagista? Acendo ou dou para meu pai no natal? Quem sabe guardo para uma data especial, o casamento. Tomando uísque e fumando charuto. É realmente cubano? Original? Seria o último charuto da era Fidel Castro? Ótimo, vou guardar e usar nas aulas de História. Será que com apenas um eu vicio?”.
Fiquei absorto em instantes que duraram minutos. Quando me dei conta do grupo de crianças, todas estavam em pé, olhando admirados para o meu presente. “Uau, ele ganhou um charuto” comentou alguém. “Será que ele vai fumar?” remendou outro. “Nossa!” suspiraram alguns. Foi quando uma menina arrebatou: “Que coisa nojenta!” Disse ela enfaticamente.
Rapidamente peguei o dito charuto e o escondi no bolso. Pedi para todos se acomodarem e segui para a mesa, totalmente desajeitado, com as bochechas vermelhas ardendo em vergonha. De repente um coro tomou forma e vozes se levantaram firmes:

Abre! Abre! Abre! Abre! Abre!

O grupo insistiu, fez cara de curioso. Que professor seria eu se matasse o desejo pelo conhecimento? Peguei o cilindro metálico, onde estava acondicionado o charuto, tirei a tampa de alumínio, virei e segurei o presente com a mão esquerda, mostrando-o para todos.
“Olha só, é um charuto de vidro” apontou espantado um dos meninos. “De vidro?!”, repeti olhando atentamente o produto manufaturado, que na verdade de charuto não tinha nada, era um perfume de nome Cuba cuja embalagem reproduzia perfeitamente a forma de um. Enfim, acabei cheiroso e absolvido de meus próprios pensamentos.