Tique-traque

Você sabe, o seu tique produz em mim um imenso traque. É a velha história, embora remodelada, da causa e do efeito, das eternas brigas de casais, do mundo como ele é. Sim, afinal de contas todos nós temos tiques. O tique faz parte da essência humana.  Você pode ter apenas um tiquezinho do tipo balançar as pernas, morder a caneta (esse é nojento), voltar para ver se a porta está realmente trancada, mas nenhum deles bloqueia ou impede a sua vida. O máximo que pode acontecer é você receber um traque, pois certamente suas ações involuntárias irritam o outro.

O problema surge quando o tique se torna grande demais, incontrolável, indomável, poderoso e arrasador. Esses tipos exigem diagnóstico preciso e tratamento adequado. Não vou entrar aqui em questões específicas como a Síndrome de Gilles de la Tourette. Existe muita coisa sobre isso a ser colhida nesse vasto mundo chamado internet.

Bom, em nossas excêntricas comunidades muitos são os possuidores de tiques crônicos. Um deles, autista de poucas palavras, tinha a mania de riscar a mesa. Utilizava canetas, facas ou na ausência de materiais, se valia das próprias unhas. O seu tique causava na família e no rapaz que o cuidava um traque. Era insuportável estar diante daquela criatura. Aqueles ruídos, movimentos e ansiedade tornaram-se lentamente uma tortura. Tentaram, em vão, remédios, medicina alternativa, pedagogias mil e o nosso amigo lá, feliz a riscar e tirar lasquinhas.

Franz, colega do Campus de concentração que trabalha na casa, assumiu o problema. Depois de muito quebrar a cabeça, investir na comunicação entre os dois, se dedicar somente ao terrível caso do “roedor” de mesas, a mania simplesmente desapareceu. Uma semana sem um arranhãozinho sequer. Aplausos, congratulações e Franz elevado, como herói, a décima segunda potência.

Tudo perfeito, não fosse um pequeno detalhe: Os possuidores crônicos de tiques jamais eliminam por completo uma mania, eles a transfiguram. O resultado da brincadeira foi que a comunidade acordou hoje com todos os carros completamente riscados, o gajo do tique a rir sem parar e o coitado do Franz (traque) convidado a procurar outra instituição.


 “Que a arte nos aponte uma respostaMesmo que ela não saiba.”
                                                                                                          Oswaldo Montenegro