Saudades de um bom engarrafamento


Há quem diga que o carro de alguém é a extensão da sua casa. De fato percebemos isso, pois não conheço ser algum que tem um lar limpo, organizado e um automóvel imundo. As duas coisas andam juntas. Fora do território nacional, percebemos que nosso veículo torna-se também um pedaço do país em fomos criados e, principalmente, da nossa cultura. É uma bandeirinha do Brasil grudada na traseira, uma lata de Farinha Láctea que você pagou 10 euros em uma daquelas lojinhas de roubo legalizado (exportação) e eventualmente está a rolar no banco detrás. Mas o melhor e que não pode, sob hipótese alguma  faltar, é a música brasileira. Essa não tem como deixar de lado. Aqui me tornei eclético, QUASE tudo é válido. Vivo a cantar canções tolas que ouvia nas rádios em épocas que me via obrigado a dirigir em uma velocidade de no máximo dez quilômetros por hora. Aliás, outro dia (sem brincadeira) bateu a saudade de um trânsito caótico num calor infernal. Dos engarrafamentos diários enfrentados na ponte entre a ilha e o continente. Nada comparado com São Paulo, mas mesmo assim eu tinha meu quinhão de stress, podia chegar em casa e dizer com um mau humor dos diabos que o trânsito estava insuportável.

Agora nem sei mais o que é isso. Vivo no lugar de menor densidade demográfica da Alemanha e no maior bolsão de Floresta do País. Meu único medo é atropelar os veados que insistem em atravessar a rodovia.

Por sorte, precisei fazer um novo passaporte, pois a validade do meu está a expirar. Sendo assim tive que dirigir até o consulado brasileiro em Frankfurt. Cerca de duzentos quilômetros daqui. Depois de muito correr na autoestrada, deixei o mato e adentrei no concreto. De repente, para meu regozijo, um imenso congestionamento. O sonho tornara-se realidade. Quase duas horas com o carro parado em uma temperatura que ultrapassava os vinte e cinco graus. Eu, com as janelas abertas, vestindo camiseta regata e bermuda, ouvindo Alceu Valença, me senti no ninho a dois dias do carnaval.