Para não dizer que não postei (Peterson Quadros)

Sábado a noite o apartamento se encheu de movimento. O vento sul trouxe uma frente fria daquelas. Lá fora estava tudo gelado, como no auge inverno, porém o fim de setembro se aproximava. Tempos de loucas estações, vividas em um mundo cada vez mais quente. Quem sabe fosse hora de acordar?
Dentro do meu casulo abri uma garrafa de vinho nacional. Mistura de dois tipos de uvas americanas. Encorpado, sabor sofisticado e razoavelmente barato, encontrado facilmente no supermercado ao lado do condomínio. Às vezes é bom deixar de lado os chilenos, argentinos e uruguaios para apreciar a nova onda das vinícolas do sul do Brasil.
Fiz isso na cozinha. Lugar onde a “química” acontece. Ali percorremos o caminho de nossa ancestralidade. Tudo é ritualístico. No mundo contemporâneo talvez o espaço possa parecer algo meramente mecânico, elétrico, apático e asséptico, mas aqui em casa gosto de acender o fogão e apreciar a chama azul, sentir o calor que se contrapõe ao momento em que você abre a geladeira e se depara com aquele armário glacial soltando congelativas fumacinhas.
Naquela noite, sábado comum, programa de sempre, a taça transbordava enquanto eu preparava o jantar com leve preguiça, depois da prolongada sesta. Um pouco preocupado com meu peso e também com a praticidade, optei por uma bela, leve e nutritiva canja. Comecei a cortar os legumes olhando o movimento circular dentro da máquina de lavar roupas, que naquele momento centrifugava minha blusa de lã preferida. Simone navegava na internet e falava com sua mãe ao telefone. As tartarugas dormiam tranqüilas e das caixinhas de som do computador, Barão vermelho, ainda na época de Cazuza, percorreu todos os ambientes.