OP – segunda parte

É sabido que, depois de um tempo, o suspense caduca. Por isso me adianto ao fim dessa história… Sobrevivi, com louros, a retirada da vesícula biliar e, há mais ou menos uma semana voltei a esbórnia, a escola, ao trabalho, a loucura. Da operação, no entanto, ficaram algumas sequelas. Nada funcional ou anatômico, mas algo provido da alma, resultado dos encontros que me vi obrigado ter com as pessoas que comigo dividiram o quarto.

Meu primeiro colega era um senhor nascido e crescido em uma pequena comunidade do interior do estado de Hessen. Falava um dialeto que em muito se distanciava do alemão gramatical, mesmo assim travamos uma pequena comunicação.  Iniciei com um “Morgen” carregado de estrangeirismo e ele, simpático, devolveu-me um “Moiê”. Aquilo me soou tão familiar como se no instante em questão eu estivesse a ler alguma historinha do Chico Bento. 

Bom, em se tratando de hospital, muito pouco são flores, sendo assim, vamos a tragédia propriamente dita. Seis da manhã um grupo de enfermeiras invade o quarto. Estão vestidas com aquelas roupas verdes tipo antiatômicas. Elas se dirigem ao meu amigo e dizem que ele está infectado por uma bactéria multirresistente. Uma das moças, sem maiores explicações, enfia uma haste com um pedaço de algodão em minha boca, no meu nariz e no ouvido. O homem, com os olhos esbugalhados de medo, agarra-se a cama e é retirado, para a chamada quarentena, com maior brevidade possível. Tomados pelo pânico nem chegamos a nos despedir.

Eu, sozinho no quarto, sou impedido de sair do mesmo. Fico a pensar no coitado do “Moiê”. Felizmente, no meio da tarde, recebo o resultado do exame. Deu negativo. Isso significa que eu poderia ser operado na manhã seguinte.