OP – parte três

Antes do jantar transferem-me para outro quarto. Entro no recinto. Uma mulher grita com um jovem enfermeiro. Na cama um senhor já idoso ligado a aparelhos dorme tranquilo.

Chega um enfermeiro mais experiente e me entrega o “Caderno de procedimentos e assinaturas para a retirada da vesícula.” Pego o dicionário e começo a ler. Lá dentro constam todas as possíveis complicações que podem ocorrer durante a operação. Estou a suar. A mulher, agora sorridente, inicia um diálogo. Penso que virá um consolo, um agrado, até uma piada. Subitamente ela se faz séria e explica-me que o pai tirou parte do intestino, que o hospital é uma porcaria, que os médicos são negligentes e os enfermeiros grossos. A essas alturas o gajo está a roncar e eu a tremer.

Eu tento sair da situação, peço desculpas, digo que preciso analisar o tal caderno e mergulho em profundidade na leitura. Observo fotos e desenhos. A preocupação aumenta. Estou a na página que fala em uma possível transfusão de sangue 0,097% dos casos.

O ser sentado na cadeira continua a tagarelar. Eu franzo a testa, levo as mãos à cabeça e adentro no capítulo “Pneumonia” que corresponde a 0,084% dos casos. Dois em cada sei lá quantos chegam até a falecer. Estava certo de que eu seria um desses casos.

Eu, prestes a desmaiar, fito a mulher. Ela está desesperada. Diz-me que há duas semanas tentou se matar com comprimidos. Começa a soluçar initerruptamente abraçada agora aos pés do pai. Eu me valho da psicologia do tudo vai ficar bem, tudo passa. Dou uma folhada no caderno, já com lágrimas nos olhos e assino, no caso de eu vir a falecer, como doador universal de órgãos.