O pesadelo do cio da terra

Tenho tido um pesadelo terrível que se repete já há alguns dias. Tudo começa com uma linda imagem da horta onde eu trabalho.  Os pés de milho já estão grandes, os tomateiros exibem rechonchudos e avermelhados frutos, ervilhas se exibem depois do orvalho, robustos pepinos se escondem no mato verde. Ao fundo é possível ver a casa de vidro e os caminhos que nos levam até a pequena loja onde vendemos orgulhosos nossos orgânicos produtos. Descendo uma lomba com o carrinho de mão abarrotado de leguminosas e visivelmente satisfeito encontro-me eu.

Eis que de repente, sem nenhuma explicação, inicia-se um processo irremediável de desertificação. Tudo é tão rápido que em uma fração de segundo encontro-me num campo vazio a semear insistentemente a terra que ignora meu ser. Os colegas alemães riem e o italiano que trabalha conosco no filosófico jardim balança a cabeça negativamente dizendo… Esses brasileiros…

Exatamente nesse momento acordo desnorteado. Uma gama de desagradáveis sensações percorre meu corpo. Fico enjoado, chego a secar uma garrafa de água. Devido ao suor excessivo e o cheiro azedo, me obrigo a tomar uma ducha gelada e só muito tempo depois volto a dormir.

Uma das explicações para o funesto e repetitivo sonho é o fato de eu, por esses dias, estar a semear a terra no filosófico jardim. Sempre tive medo de que as sementes jogadas por mim não vingassem. Ano passado aconteceu com um polonês colega nosso. Antes de proceder com a semeadura, o homem discursou sobre o movimento cósmico dos braços no ato de lançar os grãos, harmonia com a natureza, direção do vento e mais uma porção de coisas que ele aprendeu com um guru belga (existem gurus na Bélgica?).    

Passadas algumas semanas, os canteiros permaneciam em terra, sem um só sinal de germinação. Assim eles ficaram, para desolo de nosso amigo, uma longa data até que alguém se dispôs a ressemear e salvou a lavoura. O polonês virou piada e, depois de muita humilhação, foi embora de nosso filosófico jardim. 

Fica a pergunta que assombra minhas noites… Farão as pequenas sementes que levo com carinho em meu verde ventre a mesma coisa que fizeram com o  polonês?