O nascimento de um grafiteiro

O Grafito ou Grafite é, de todas as artes plásticas, uma das que mais me emociona. Segundo a Wikipédia “considera-se grafite uma inscrição caligrafada, um desenho pintado ou gravado sobre um suporte que não é normalmente previsto para esta finalidade.”
Creio que meu encantamento acontece pelas dimensões de tal arte e também pela relação intrínseca que o grafite tem com a vida quotidiana. Ver um Grafite, no véu cinza de uma grande cidade, é fugir do efêmero e se encontrar com o mágico. Muitas vezes, a contemplação não dura mais do que alguns segundos, seja ela da janela de um automóvel, ônibus ou metrô. Mesmo num lampejo o grafite consegue nos tocar.
A beleza de um Grafite é diferente de um quadro pendurado em uma parede de gesso, iluminada artificialmente, em um museu. O Grafite tem o cheiro do mundo ao seu redor, ele muda de acordo com o sol ou com a chuva, com as fases da lua. Grafite é inclusão, pois é arte que toca a alma e está aí para qualquer um que quiser enxergá-la.
O nosso Brasil guarda artistas tão bons que transcendem o físico… Há os anônimos, claro, que sempre estarão ali para mostrar o quanto Grafite é resistência. Alguns nomes, no entanto, tornaram-se ícones do Grafite, como Anarkia Boladona, Eduardo Kobra, Alex Senna, Mag Magrela, Nina Pandolfo, os Gêmeos e, por fim, o precursor da tal arte, um ilustre chamado Zezão.
É gente que faz esse mundão de meu Deus girar de forma mais colorida e deveras interessante.
Fico cá com meus botões a imaginar quando essa gente famosa começou a grafitar. A resposta veio de dentro da minha casa, no alvorecer dos seis anos de idade de meu filho mais velho. Primeiro foram hieróglifos no corrimão da escada…
Depois veio o nome! A expressão máxima do “Eu”. A afirmação e o reconhecimento de ser alguém chamado…
Ter um nome no atual mundo caduco é, politicamente falando, um privilégio enorme. Identificá-lo a partir dos símbolos utilizados para tal e conseguir reproduzi-lo é simplesmente um luxo, visto que temos mais de 793 milhões de analfabetos em nosso planeta redondo (hoje em dia se faz necessário colocar a fonte de onde eu tirei essa ideia de que o mundo é redondo).
Voltando ao assunto, confesso que, naquele momento, a arte de meu filho não me agradou. Na verdade até fiquei bravo com o menino. Subi em fúria até o seu quarto. Quando cheguei no corredor, a caneta hidrocor sucumbia, sem tampa, no chão. Vocês sabem o significado catastrófico de uma caneta sem tampa para um pai.
Eu estava prestes a xingá-lo quando um daqueles milagres quotidianos aconteceu. Eu vi aquela expressão genuína de beleza estampada em nossa cômoda.
Lágrimas de alegria escorreram sob a minha já fatigada face. Percebi então que o Grafito, além de belo, é também um ato de resistência política. Feliz da vida, peguei o moleque nos braços e dei-lhe um abraço enorme, desses que recebemos enquanto crianças e que ficam para sempre em nossa memória.