Mela – A lenda

De todas as figuras históricas da nossa Pequena Alemanha, o Mela é, talvez, a mais enigmática de todas. Perambulava pela vastidão do centro com um triciclo adaptado. Tal veículo era impulsionado pela força dos seus braços, pois Mela tinha paralisia nas pernas.
Quando nossa trupe se encontrava, depois da aula, no prédio do extinto BESC – Banco do Estado de Santa Catarina, era comum tê-lo como tema principal de nossos causos. Ouvíamos sempre dizer que o Mela era milionário e morava em uma mansão completamente automatizada, tipo Jetsons. Ele pedalava o seu triciclo até o banheiro onde havia um enorme lava jato. Mela entrava sujo e malcheiroso da fuligem dos automóveis que circulavam pela Cidade mais alemã do Brasil e saía brilhando, cheiroso, seco e dez anos mais jovem. Fábio tinha a teoria de que Mela vivia na floresta e era cuidado por ninfas. Assim que chegava em casa, banhavam-no com água-de-colônia, cozinhavam as mais caras iguarias e dançavam nuas ao seu redor, como aquelas mulheres do quadro de Matisse.

Lembro que o ponto principal de coleta do Mela era em frente ao Zoológico. Ali, uma vez, nos estranhamos. Foi a primeira e única vez que nosso querido Mela se dirigiu a minha pessoa. Eu era menino ainda e ganhava uns trocados vendendo picolé. Oitenta por cento da quantia que eu comercializava era comprada pela minha mãe, o resto eu vendia naquele que era considerado o melhor ponto da cidade. Eis que eu estava a conquistar o dinheiro para a compra de um Mega Drive, quando ele veio com o triciclo e quase me atropelou. Aquele era o seu território e eu havia cometido um enorme erro. Ele veio, com dedo em riste, para cima de mim. Eu me esquivei, larguei a bicicleta, caíram os picolés. Turistas se aglomeram para ver o embate que no fim, nos rendeu bons trocados. Um grupo de paulistas nos dera uma boa grana para fazermos as pazes. Logicamente, ao olharmos o dinheiro, apertamos sorridentes, a mão um do outro. Aplausos e sorrisos eclodiram pela rua Hermann Weege. Nós, então amicíssimos, voltamos para casa, orgulhosos do tesouro conquistado.  

Soube, faz um tempo já, que Mela acabou por falecer. Fiquei triste com a notícia. Mela foi parte da nossa cidade. A memória de um lugar se faz continuamente de acordo com os personagens que nele habitam. Quem ali viveu certamente teve Mela em sua Biografia. Não só ele, mas sim uma Pomerode de gente fantástica, arcaica em tecnologia, idílica, mágica, recheada de encantos e histórias.