“Gabrieis”

Quando meu filho nasceu, entre tantos sonhos, desejos e vontades, faltou-lhe, num primeiro momento, o nome… Antes do parto, não sabíamos se era menino ou menina. Fizemos listas, experimentamos combinações, esperamos que o tal anjo dos antroposóficos nos soprasse o dito. Eis que o ser estava lá e nós pedimos uma noite para pensar sobre o assunto. As parteiras e o médico tentaram nos empurrar algumas ideias que, ao serem recusadas, causaram um certo desconforto. Eis que dormimos, o anjo veio e, entre Benjamin e Gabriel, ficou o último.
Antes do meu filho, muitos “Gabrieis” passaram em minha vida e, naquela noite congelada de fevereiro, no nono andar da policlínica de Fulda, lembrei-me deles.
Alunos, amigos, parentes que também receberam esse nome, a maioria gente legal, divertida. Entre todos, uma dessas amizades, embora curta, me foi profunda.
Bairro Kobrasol, colégio Visão. Eu lecionava Filosofia para o primeiro ano do então segundo grau. Gabriel era rapaz ainda. Um garoto de cabelos fartos, olhos grandes, quieto ante os demais. Um dia ele me procurou num desses corredores frios de um sistema educacional que já se foi. Nós conversamos por longos minutos, havia um interesse pela Filosofia naquele ser, seu olhar curioso e profundo ansiava por entender o mundo. A crítica ainda se manifestava tímida no sorriso ingênuo que tinha. Gabriel, com seu interesse, acabou por me inspirar. Era legal planejar aulas, saber que alguém lia, fazia perguntas. Certa vez recebi um roteiro seu, excelente enredo, muito além da puberdade em que se encontrava. Lembro que ensaiamos uma roda de leitura de Nietzsche. Como professor tive o prazer de entregar a caderneta de avaliação para sua mãe. Gabriel havia herdado os olhos dela, nela porém, já não havia mais ingenuidade. Era uma senhora bela, de cabelos longos e óculos, ainda sorria e orgulhava-se do filho.
Assim que o ano letivo chegou ao fim, acabamos por nos afastar.
Reencontrei-o tempos depois não mais na escola, muito menos em uma rua movimentada, tampouco em um boteco, mas sim, na timeline do Facebook.
Gabriel, talvez já não havia mais, pelo menos a ingenuidade se dissipou na confluência daquilo que entendemos por vir a ser. Ficaram ideias, desenvolveram-se sonhos. Suas palavras são duras, porém, devido a poesia que o habita, elas inspiram quem o lê. Existe muito encanto no Gabriel, em sua vida de pai, artista, poeta.fotocamera