FKK

Nunca fui um talento em decodificar siglas. Passei minha vida escolar atormentado por OSPB, depois tive de fazer meu RG e com dezoito conquistei a minha CNH. Através da ECT dei entrada no meu CPF e para conseguir votar o TRE de SC imprimiu o meu Título de eleitor. No Brasil há centenas de milhares de abreviaturas, siglas, acrônimos que por vezes complicam a vida. Para tudo existe uma junção de letras maiúsculas correspondentes a um conjunto de palavras que significam algo.

Quando éramos pequenos, dizíamos que fazíamos parte da VASP, ou seja, Vagabundos Anônimos Sustentados pelos Pais. Provavelmente hoje ninguém lembra o inocente trocadilho, até mesmo porque nem a verdadeira VASP (Viação Aérea São Paulo) existe mais.

Nem ouso entrar nas siglas universais do momento, tais como: Wi-Fi, DVD-RW, SMS, USB, URL, MBA, RSS. Se vocês querem saber o que significam, curtam o Lista 10.

Aqui na Alemanha obviamente também existem siglas que podem complicar uma vida. Durante o verão, como sempre faço, acabei por assumir um grupo de férias com pessoas portadoras de necessidades especiais. Viajamos para Erfurt, capital da Turíngia, uma cidade que zela pela acessibilidade e tem como lema “uma cidade livre de barreiras”.

Era um dia quente, desses que ultrapassam os quarenta graus. Não ventava e uma sensação de sufocamento tomava conta de nós. O que poderia eu oferecer em uma situação dessas? Assim como são poucos os dias infernais, por aqui também são raros os lugares climatizados, ou seja, um museu estava fora de cogitação. Eis então que algum dos nossos sugeriu uma piscina pública para podermos nadar e brincar.

Soube que havia um local desses perto do hotel onde nos encontrávamos e assim, depois de uma caminhada de quinze minutos, estávamos nós a relaxar em uma famosa piscina pública alemã, com direito a posteriores micoses e tudo mais…

O senhor Nuvem (tradução literal do nome), que não gosta de tomar banho de piscina pública (não tiro a razão dele. O único de nós a ter, depois de uma semana, os dedos livres de perebas), havia comprado dias antes uma máquina fotográfica digital e queria passar a tarde a fotografar o verão. Devido ao grande número de pessoas ao redor da piscina era impossível fazê-lo ali. Sugeri então que ele subisse uma escada que ficava logo atrás da guarita do salva-vidas. Intui que lá em cima havia uma sacada e ele conseguiria captar boas imagens da cidade, do céu e das árvores ao nosso redor.

Havia, no entanto, uma sigla que eu ignorei. FKK! Três simpáticas letras em um losango amarelo que me trouxeram um grande problema. Senhor Nuvem subiu e, em poucos minutos, voltou escoltado por dois seguranças e uma senhora a gritar “pervertido! pervertido!”.

Fiquei louco, saltei da piscina e também fui tirar satisfação. Afinal, o senhor Nuvem é de uma inocência infantil e eu sou prova disso. Assim que apresentei a carteira de identificação onde constava que o meu protegido era portador de necessidades especiais, os tais seguranças me agarraram e me arrastaram até uma pequena sala onde uma mulher telefonava para a polícia.

Com dedo em riste indagaram-me por que eu, como responsável pelo grupo, deixei o senhor Nuvem entrar em uma zona FKK para tirar fotografias e qual era a minha intenção com tudo aquilo. Desesperado, eu perguntei para eles o que significava FKK.

O mundo parou. A mulher colocou o telefone no gancho, os seguranças me olharam, se entreolharam e depois de um mórbido silencio, perguntaram a minha profissão, nacionalidade e quanto tempo eu estava na Alemanha.

Contei-lhes que era brasileiro, que fazia quatro anos que eu morava no país e estava me formando em pedagogia social. Um deles, o maior, esbugalhou os olhos, aumentou a voz e soletrou F.K.K., depois, em tom de explicação, continuou… Frei, Körper, Kultur, ou seja, livre cultura do corpo ou, para nós, naturalismo.

Tudo fez sentido. Tanto para eles, que perceberam a minha ingenuidade, quanto para mim mesmo que, por estupidez, ignorei a tal placa. Enfim, a polícia não apareceu, eu fui liberado e reencontrei o grupo que, junto com Simone, me aguardava deveras preocupado.

Antes de deixar o local um dos seguranças, em tom cavernoso, me alertou: “Cuidado, tem coisas da cultura alemã que não se aprende na escola. FKK é só uma delas“.