(E)levação

É engraçado descobrir em si talentos pouco evidentes. Nada como ser estrela no futebol, vôlei, boliche, xadrez, bilhar. Muito menos ter uma aptidão intelectual fora do comum ou exibir façanhas extraordinárias com algum instrumento musical.

Falo de coisas cotidianas que estão em você, em mim, que passam despercebidas, em muitos casos, uma vida inteira, mas que são fundamentais para a construção do mundo.
Eu, por exemplo, percebi que tenho aptidão em levar, esperar e buscar pessoas. Simples, não é verdade?

Começou com o meu irmão Anderson. Minha mãe me incumbiu de levá-lo ao jardim de infância, distante cerca de dois quilômetros da nossa casa. Eu achava bonito o caminho, os pastos, as casas em estilo enxaimel, a entrada do zoológico e, é claro, aquele pequeno ser branquinho, sardento, com gordas bochechas vermelhas, que falava sem parar e me enchia o saco. Até hoje sou um apaixonado por ele e não passa um único dia de minha vida que não o tenho em pensamento.

Em Florianópolis, quando Simone assumiu a coordenação de uma escola na Lagoa da Conceição, eu mesmo me ofereci para fazer o serviço de (e)levação.

Aqui na comunidade aos poucos fui oferecendo préstimos como (e)levar os voluntários estrangeiros para o curso de alemão, fulano para equitação, beltrano para natação, yoga, pilates, sauna e assim por diante.  Por incrível que pareça, gosto muito desses pequenos compromissos assumidos.

Entre o levar nutrido pelas expectativas e o buscar quase sempre cheio de novidades, o esperar como algo contemplativo, na maior parte das vezes regido também pela solidão, é o que me encanta.

Sinto como hoje o ato de sentar no banco da escola e pelos longos minutos que antecediam o término da aula contemplar árvores em balanço, pardais chilreando e disputando migalhas, crianças a correr e gritar. Quando os portões se abriam, muitas vezes eu me esticava em abraço para aquele garoto lindo de passos desengonçados.

Na espera de Simone, tantas e tantas vezes, permaneci no carro a admirar o bucolismo de um dos mais lindos cantos da Lagoa. Tempestades e zunidos eram entoados pelo vento sul. As tão distintas luas minguantes, crescentes, novas e cheias, apareciam e desapareciam.

Por aqui, esperar o término da equitação já significou ficar imerso em neve, com um frio de quase dez graus negativos. No meio da tremedeira e da fumigação oriunda do ato de respirar, senti a plenitude de ser abafado pelo gelo em forma de flocos. A espera não durou mais do que dez minutos. Longos, inebriantes, doloridos, fantásticos.

(E)levação é uma arte cotidiana. Um talento a ser explorado, um fazer o bem que nos recompensa através do encontro com o outro e que nos proporciona a descoberta de nós mesmos. Por isso, lhes peço: Sentem no carro, peguem na mão, utilizem o bagageiro da bicicleta e… (e)levem alguém para um lugar qualquer.