Ei velho, o que você tem feito? Faz tempo que não vejo uma postagem sua no blog. 

Pois então rapaz, eu tenho feito umas e outras. Ser pai, felizmente, ainda consome a maior parte do meu dia. Gabriel com um ano e quase quatro meses faz com que eu me movimente das cinco da manhã até perto das oito da noite, sem intervalos comerciais. Ele me ajuda a cozinhar para a nossa excêntrica família, adora pegar o andador do senhor Raio de Sol e correr pela casa. Regar as plantas também está entre uma das suas atividades preferidas, isso sem contar suas incursões pela nossa despensa, “dividir” o jornal do Thommy em pedacinhos minúsculos, cheirar e organizar os sapatos dos nossos treze moradores, ficar na ponta dos pés e tocar piano, utilizar a flauta que custou uma fortuna como baqueta de bateria. A propósito, bateria no caso em questão, diz respeito as nossas panelas ou bacias. Enfim, educar alguém sem televisores ou coisa do gênero exige tempo.
Além do meu filho também entrei para um grupo de teatro amador. Apresentamos no mês passado aqui na comunidade uma peça de Karl König, chamada Sexta-feira Santa. O enredo, por sorte, bastante simples, no entanto, por conta do nosso público, tornou-se desafiador. A história se dá na Grécia, num templo dedicado a Zeus. Pouco a pouco vão surgindo pessoas doentes ou com algum tipo de necessidade especial, pois há um boato de que cidadãos com algum tipo de marca encontrados na rua seriam banidos da Polis. Ali, no entanto, eles estariam a salvo. Um navio atracado no porto de Pireus aguardava os prisioneiros que seriam deportados.
O primeiro a aparecer foi um cego desesperado. Já no Templo um surdo e um mudo escoravam-se em uma das colunas. Depois disso uma paralitica e uma mãe com uma criança com hidrocefalia, um pestilento (meu papel), um tuberculoso e mais uns tantos sofredores. Eu sei que no fim das contas os soldados nos encontram e marchamos para o navio.
Semanas depois da frutífera apresentação, dos ensaios exaustivos, da iluminação do teatro, chegou a nossa feira da primavera. Esse ano eu assumi interinamente a barraquinha de Crepes franceses. Herança deixada pelo meu amigo Otto. Vendemos em dois dias de feira, cerca de mil Crepes, tendo um faturamento para a comunidade de quase seis mil reais. Confesso que cheguei ao meu limite. Só para você ter uma ideia, foram vinte potes gigantes de Nutella, quinze quilos de queijo, trinta e seis quilos de farinha, quatrocentos ovos. Sessenta litros de leite, cinco quilos de presunto, três de salame e mais um montão de coisas.
Assim que se acabou, não deu para descansar. Era chegada a vez de se preparar para os jogos olímpicos nacionais para pessoas portadoras de necessidades especiais intelectuais, na cidade de Düsseldorf. Entre os 4800 atletas presentes o nosso grupo de Badminton estava lá. Uma semana dormindo em Colônia, acordando as seis, pegando metrô, trem, ônibus, correndo, chegando atrasado, sofrendo, competindo. No fim de tudo, muitos sonhos foram alcançados. Quatro ouros, duas pratas, dois bronzes.
No meio dessa balburdia, meu amigo, não pude deixar para trás a minha excêntrica família. Tive que dar os banhos nos meninos, ajudar o Thommy. O senhor Raio de Sol ficou deprimido quando soube que a sua irmã iria vender a casa onde ele cresceu. Antes que ele não tivesse mais acesso ao lugar eu fui com ele ao encontro do seu passado. A casa onde o senhor Raio de Sol viveu a sua infância. Construída pelo seu próprio pai. Com lágrimas nos olhos o encurvado senhor de setenta anos e muitos ataques epiléticos, agradeceu e me abraçou.
Hoje é feriado por aqui. Dia da ascensão de Jesus. Gabriel está na cama e eu, surpreendentemente, tive tempo para escrever!

pestilento

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