E o que era para ser efêmero tornou-se duradouro

Era para ser uma experiência simples. Coisa de um ano e depois vida normal. Eu apenas queria sentir o gosto do que é viver em uma vila onde a maioria absoluta das pessoas possui algum tipo necessidade especial (gente considerada louca pelo senso comum). Eu tinha a impressão, ainda no Brasil, de que seria uma tarefa impossível, que cedo ou tarde, antes do prazo estipulado, iria acabar desistindo como em muitas outras situações o fiz.

No início tudo o que via e queria eram diagnósticos. Downs, autistas e tantos outros indecifráveis me deixavam inquieto. Busquei, em vão, papéis assinados pelas pessoas competentes que pudessem me dar a clareza necessária para lidar da melhor forma possível com essas pessoas. Boas intenções recheadas de preconceito e ignorância.

Dei o primeiro banho, fiz a primeira barba, limpei a primeira bunda, troquei a primeira fralda de gente crescida, alimentei alguém pela primeira vez. Tudo aconteceu de forma desajeitada. Eu queria realmente ser bonzinho, mas aquele padrão estético fora dos conformes me aterrorizava e por vezes fechava os olhos com nojo. Limpava o rosto depois de um beijo dado em agradecimento.

Um dia, sentado na cama, chorei de saudade, desejei voltar e só não o fiz porque Simone, com toda sua ética, estava comigo. Resolvi dar mais um tempo, o tempo de adaptação de que Madalena Freire tanto falava em minhas épocas de professor e agora eu sentia na pele.

Veio o segundo banho, a segunda barbeação, a segunda limpada de bunda. Fiz as mesmas coisas e muitas outras pela terceira, quarta, quinta…infinitas vezes até que aquilo que para mim era feio, tornou-se belo.

Hoje sou eu que os procuro para roubar beijos, partilhar abraços e já não me preocupo com definições. Engraçado é que aquilo que era pra ser efêmero tornou-se duradouro.