Claudia Ferreira, Carlos Drummond e o tal Ipea

Eu assisti o vídeo. Eu vi a cena. Já faz algumas semanas que estourou o negócio na internet e agora está a esfriar rapidamente, quer dizer, praticamente morreu. Até pensei em não postar sobre isso aqui no Vinhetas, mas ver aquela mulher ser arrastada pela rua feito um objeto inanimado me feriu profundamente.
Chorei um choro esquisito e senti uma dor que transcende o corpo físico, daquelas que os médicos, em suas limitações empíricas, nunca conseguem explicar.
Na penumbra do porão aqui de casa, com soluços sufocados, Carlos Drummond de Andrade emergiu de minhas lembranças poéticas. Afinal, na solidão e com as luzes apagadas, prefeririam (os delicados), morrer! Não, morrer eu não queria, queria era ignorar a história da mãe, esposa, mulher, ser humano, que simplesmente foi arrancada daqui de uma forma abrupta e lancinante. Eu já não consigo mais virar o rosto para esse tipo de história. Quando me coloco no lugar das crianças e ouso imaginar o tamanho da dor que elas sentiram ou sentem ao adentrar no vazio de uma casa sem mãe, eu esmoreço.
Como compreender a atitude daqueles três policiais? Quando vi a foto dos homens que cometeram tal atrocidade na página do Pragmatismo Político não senti raiva ou coisa do gênero. Eu pensei neles enquanto bebês, porque um dia os tais sujeitos, pasmem, também viveram a inocência da infância. Assim como você, Claudia Ferreira, eu. Imaginem seus primeiros sorrisos com dois dentinhos na parte de baixo, dando “tchau”, engatinhando, batendo “palminhas”. Um mundo tão leve quanto a mão de uma criança a ser descoberto e explorado tendo talvez, depois de um tombo, um colo de mãe como alento. Quando é que tudo isso se perdeu? Como conseguimos deixar de sentir o outro em nós, para agir de forma tão abrupta, repugnante, ignorante?
Aqui neste lugar anárquico chamado internet você lê uma mesma notícia de diversas formas, se depara com um número sem fim de teorias, opiniões, textos variados, comentários coléricos, construtivos, parvos. Uma avalanche que dura, no máximo, uma semana. Claudia morreu como Mártir e com isso ganhou apenas alguns milhares de ingloriosos e indesejáveis cliques.
No momento estou a deglutir, se isso for possível, o resultado vergonhoso do estudo do Ipea sobre violência contra mulheres. Meus olhos estão a resplandecer enormes e já não sofro mais. Que catástrofe anunciada, que barbárie acondicionada nas cabeças daqueles que não aprenderam a pensar. O difícil nessa história é se quisermos encontrar alguém para culpar, já que o que existe, infelizmente, é a herança coletiva de costumes primitivos e a sólida construção de estereótipos que inibem a liberdade, incitam a violência e impedem as pessoas de enxergarem e respeitarem o outro em sua plenitude.
“Teus ombros suportam o mundo” e acreditem, mesmo eles estando desnudos, isso jamais será motivo para alguém te estuprar.

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