Na empolgação de minha vidinha de pai, tenho arrumado com afinco o entorno aqui de casa. Estou a reformar a cabana amarela, pendurei um balanço e me encontro as avessas com a futura caixa de areia, projeto este programado para sair do papel ainda na próxima semana e, como não se trata de copa do mundo, muito menos de dinheiro público, sem o perigo de superfaturamento. Consegui três toras de madeira da vizinha de baixo, cujos filhos já estão grandes e o antigo espaço de brincadeira tornou-se terra devoluta. Agora só falta areia, tela e sarrafos para proteger o lugar dos gatos malandros que rondam o nosso quintal.
Outra ideia em que investi meu tempo paterno essa semana foi a montagem de uma carroça para o meu filho. Produto adquirido através do compre pela internet, receba pelos correios e se vire para montar o trambolho sozinho ou, em nosso caso, a dois. O manual de montagem com suas letras miúdas e sem ilustrações foi um desafio a nossa intuição. Depois de inacreditáveis trinta minutos o “bollerwagen”, como se chama aqui na Alemanha, estava pronto para o uso. Claro que ainda tratei a madeira com óleo de linhaça biológico e com a ajuda de um pirogravo escrevi o nome do Gabriel.
Entre a montagem e o primeiro passeio alguns dias correram soltos e com eles as lembranças das charretes de Pomerode, seus carroceiros bilíngues e os simpáticos turistas que depois de comer repolho roxo com marreco recheado, visitam o zoológico e como saideira aproveitam um café colonial que só existe na cidade mais alemã do Brasil. Assim que deixei o feudo das casas enxaimel eu perdi também o contato com o nostálgico meio de transporte. Na Ilha de Santa Catarina a exceção era o Seu César que coletava material reciclado no prédio onde eu morava. Ele tinha um cavalo branco, bonito, imponente e vivia a puxar coisas coloridas e reaproveitáveis pelas ruas burguesas de Florianópolis. Eis que um dia eu estava atrasado. Estudante nada aplicado de Filosofia, o meu futuro acadêmico dependia de uma prova de lógica que eu não poderia perder, nem sequer chegar tarde, pois o professor era um daqueles alemães estereotipados. O coletivo não chegara no horário previsto e eu desesperado, ao ver o Seu César passar, gesticulei um pedido de carona. Ele imediatamente puxou as rédeas do cavalo, eu subi e assim seguimos juntos em direção a Universidade Federal de Santa Catarina.
Preciso confessar que, ao cruzar a Avenida Madre Benvenuta, conversando trivialidades com aquele bom sujeito, eu passei a observar o mundo de uma perspectiva completamente diferente. A impaciência dos carros, os xingamentos, a ignorância alheia, tudo isso misturado a um tempo que não se mede em quilômetros por hora. Instruções dadas ao cavalo bravo, acostumado a semáforos, cruzamentos e veículos automotores. Lembro que era um dia de sol e o Vento Sul soprava leve. Seu César me deixou na rótula em frente à biblioteca central. Na concha acústica uma banda de rock experimental, participante do projeto 12:30, recolhia os últimos equipamentos. Eu agradeci a ajuda e disparei para a sala de aula.
Deixando as velhas lembranças do Novo Mundo e voltando ao presente no Velho Continente… Tirei o fim de semana para dar as primeiras voltas com o Gabriel e sua carroça estilizada no parque temático que estamos a construir. Se eu fosse um investidor inescrupuloso enxergaria o quintal da nossa casa como a Eurodisney da Alemanha. Meu mundo, no entanto, é muito pequeno para aplicações desse tipo. Eu fico com a alegria altamente rentável que é poder ser pai vinte e quatro horas por dia desse menino lindo…


