Já escrevi aqui sobre o cuidado e o quanto esse tema, desde que adotei minha excêntrica família, mexe comigo. Na vila vivem muitas pessoas com Síndrome de Down. Com o avanço da idade, a maioria tem mais do que 50 anos, um grande número deles passa a sofrer de demência, ou seja, começam a desaprender as coisas e gradativamente voltam a um estado infantil. Em nossa casa vive a simpática senhora Cola. Um pequeno ser de quase um metro e sessenta, 57 anos e incrível personalidade. Impossível não amar essa doce velhinha.
Há cerca de três anos, quando aqui cheguei, a senhora Cola fazia tudo sozinha. Caminhava até a oficina onde passava o dia a desfiar lã, aproveitava o sábado para ir de ônibus até a cidade comprar “Prinzen Rolle”, passeava pelos bosques, lavava-se sem ajuda de outros. Tinha o seu dinheiro e esperava ansiosa a “padaria móvel” onde abastecia seu quarto de Coca-cola. Deu agora para imaginar o porquê do nome, não é?
Um dia a senhora Cola perdeu-se no caminho até a oficina, passou a não reconhecer mais a nossa casa, entrava por engano na morada dos vizinhos, esqueceu nomes, tentou vestir a calça como blusa, trocou as sandálias. Aqui, sua tarefa era secar a louça. Foi então que começamos a encontrar talheres com os pratos, panelas na despensa, copos junto aos temperos, enfim a senhora Cola caotizou.
Faz três semanas que ela caiu na cozinha e fraturou o fêmur. Teve que ser operada, colocaram três parafusos, foi dopada e se perdeu num mundo que já não agarramos mais. Hoje precisa de ajuda para tudo. Está numa cadeira de rodas. Adora beijar e abraçar como antes, mas também fica nervosa e se põe a dizer “merda” durante a noite inteira. Sei disso porque comprei um Babyphone que fica do lado da minha cama e quando ela chora desesperada por medo do escuro ou porque necessita ir ao banheiro, desço o mais depressa possível.
Engraçado é o teatro que é preciso fazer para ela deitar na cama. Dou-lhe um abraço, conto histórias, mostro seu anjinho, digo que ele também quer dormir, curvo-me lentamente até que sua cabeça encontre o travesseiro e a figura se sinta segura. Então, lhe dou um beijinho de boa noite e vou-me embora cuidar dos outros.