As mágoas escolares te acompanham a vida toda. Você pode achar que esqueceu ou que transcendeu, mas elas sempre estarão ali, em algum lugar, por mais íntimo ou secreto que seja.
Aqueles recortes de imagens ruins que aparecem repentinamente e te assombram. Você tenta fugir, esquecer, fica angustiado, se encolhe, baixa a cabeça, espreme os olhos, mas nada adianta. Arruma outra coisa para fazer, se ocupa em lavar a louça, assistir televisão, escutar música. Na hora funciona, mas na verdade o sentimento desaparece apenas por um tempo.
Hoje me lembrei de Cristiano e Edgar, aqueles dois moleques sujos e da professora de alemão que me perseguiu incansavelmente por causa de uma besteira que falei.
O nome, se não me engano era Lindenberg, em Pomerode, “Frau” Lindenberg. Mulher do pastor, rígida e implacável, adepta da “pedagogia do ditado”, pois era a única coisa que fazia durante as aulas. Se a palavra estivesse errada, a punição era escrevê-la, na hora do pátio, cem, duzentas, ou trezentas vezes.
Eu era um dos poucos que não falava o alemão em casa e sofria com isso. Quase toda quinta-feira ficava sem brincar, reproduzindo palavras e expressões que não compreendia.
Teve uma vez em que me esqueci de responder uma questão da lição de casa. Quando a “Frau” chamou meu nome, entrei em pânico. Olhei rapidamente para o lado e sussurrei um pedido de ajuda para Cristiano e Edgar. Eles jogaram um pequeno pedaço de papel, com uma frase em alemão, na minha carteira. Eu levantei e li o que estava escrito. Quando terminei, o grupo caiu na gargalhada. A professora emudeceu, ficou vermelha e saiu da sala correndo. Só então percebi que tinha feito uma grande besteira. Desesperado, perguntei para alguém o que era aquilo que eu havia lido.
– Grande puta! Uma menina respondeu.
Imagine falar isso para a mulher do pastor de uma pequena e “coercitiva” cidade? Comecei a chorar temendo o pior. De repente, na minha frente, o diretor. Não agüentei o soluço, pedi desculpas, mas ele me agarrou e me puxou pelo braço. Tentei me defender, explicar a sacanagem daqueles idiotas, mas estava sendo arrastando, como um criminoso. Percebi que jamais alguém me ouviria naquele lugar.
Naquela pequena sala, cheia de livros e móveis escuros, sentei e me calei diante de pessoas que me olharam com desprezo e me humilharam em língua estrangeira, balançando a cabeça negativamente e sentenciando… “das wird nichts”, ou seja, “nunca vai dar nada”.