A solidão na floresta das árvores peladas

Desde pequeno que eu procuro, em determinados momentos, ficar sozinho. Eu gosto da solidão sem subterfúgios.
Em Pomerode, quando ainda morávamos em um velho casarão de madeira, eu me lembro de ter a minha primeira experiência com o tal substantivo existencial. Eu tinha chegado da escola e a mãe ainda estava a trabalhar no restaurante da família. A casa se encontrava vazia e eu um pouco fadigado. Foi então que eu deitei no assoalho bem polido e simplesmente deixei de pensar. De repente um estalo se fez ouvir; depois outro e assim sucessivamente até que fui despertado daquela espécie de transe pelo meu pai. As centenárias tábuas de madeira, devido ao calor do sol, expandiam-se fazendo o alucinógeno barulho. Meu pai adorava explicar isso. O fato é que depois daquele episódio, sempre ansiei pelo momento de estar só e desligar tudo.
Em Florianópolis eu amava sentar no sofá da sala e observar a claridade do dia invadir a casa. A maneira como a luz se espreguiçava até alcançar o antúrio vermelho em cima da mesa redonda. Estar ali, sem música, sem televisão, fazia-me viajar à mercê dos milhares de ruídos que borbulhavam do lado de fora. Latidos variados, roncos suaves de carros modernos, fininhos e estrondosos de motocicletas, graves e imponentes de tratores ou caminhões; vozes abafadas de mães que chamavam seus filhos, batidas de martelo de alguma obra; buzinas, as mais variadas possíveis; alarmes de carro, freadas. Eu passava horas sem me dar ao trabalho de pensar. Eu curtia aquela vacuidade como um pintor se deleita ao produzir a sua obra-prima. Eu sempre tive a impressão, com o nada, de estar vivenciando o ato sublime da criação.
Foi por isso, apesar de tantos contras, que eu me encantei e me identifiquei com Heidegger. Segundo ele “a solidão tem o poder original de não nos isolar totalmente, mas ao contrário, de lançar a existência inteira na ampla proximidade da essência de todas as coisas.”
Desde que cheguei aqui na comunidade descobri que a floresta é o melhor lugar para o retraimento. Eu sou obcecado pelo bosque quase infinito que nos cerca. Faço longas caminhadas pelas trilhas sinuosas e desérticas. Quantos segredos e barulhos guardam esse lugar que, em meu íntimo, tão místico se apresenta. Um lugar que não é meu, uma floresta que poderia estar acolhida em um conto de fadas dos irmãos Grimm. Uma floresta sem mato e onde as árvores parecem se manifestar cada dia de maneira diferente.
No verão costumo deitar na relva e ficar curtindo o balançar das folhas verdes que, durante a primavera, eu vi crescer. Sinto pontadas de tristeza diante da beleza que se desbota ao longo do outono. Gosto de ouvir o barulho dos meus passos em cima das folhas caídas e quebradiças que formam um tapete amarelo adornado pelos abrigos camuflados dos caçadores. Em minha perambulação vespertina, no momento em que a noite conquista espaço e o sol fica fraquinho num horizonte inalcançável, é chegada a hora de ver raposas, javalis, pica-paus, cegonhas e corujas.
Hoje as árvores, que se despedem do inverno, estavam peladas e o entardecer, único em essência, me fizeram lembrar que faz alguns meses que eu já não caminho tão sozinho assim.

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