A paranaense gostosinha

Hoje eu passeei pela floresta. Gosto da solidão do bosque e de pensar nas coisas do mundo. Confesso que a notícia daquele moço que foi morto por seguranças do Carrefour partiu-me o coração. Algumas lágrimas me escapuliram e, quando percebi, estava a soluçar.
Pomerode foi, para mim, o começo de todas as coisas, o início de cada um dos meus sentimentos. Teve um dia, atrás da nossa casa, no finzinho da Jorge Jung que, pela primeira vez, chorei por alguém.
Eu me Lembro de quando eles vieram com a mudança. Era um caminhãozinho Mercedes Benz aberto. Os móveis estavam bem amarrados. Um roupeiro de madeira compensada ocupava a maior parte da carroceria, um colchão de casal, cômoda, cadeiras, um sofá de dois lugares, geladeira, televisor, fogão. Enfim, o básico do básico para se começar a vida.
Eles vinham do norte, de um outro estado da federação, um lugar chamado Paraná.
Desembarcaram acompanhados de felicidade, esperança, expectativas e o medo que se instaura em nós diante do novo.
Em pouco tempo ele conseguiu emprego em uma marcenaria e ela passou a trabalhar como doméstica na casa de um empresário. Ambos eram novinhos, não mais do que vinte anos. Estavam apaixonados e viviam a sonhar com uma gravidez e com as possíveis conquistas materiais. Pomerode é uma cidade que permite as pessoas o sonho. Foi assim com os nossos antepassados que construíram este lugar é assim com as pessoas que aqui chegam e buscam a mais sublime das dignidades, a dignidade humana.
A moça, vaidosa e de beleza simples, chamou atenção do patrão. Este começou a persegui-la. Esperava a mulher e os filhos saírem para assediá-la. Ela esquivava-se com todas as forças. Queria sair do emprego, mas o homem disse que se saísse, não haveria mais lugar para ela e para o marido em Pomerode, então calou-se.
Lembro-me, depois de chegar da escola, vê-la sentada com minha mãe a chorar desesperada. Um dia o inevitável aconteceu. Era uma dessas tardes pacatas de nossa cidade, em uma casa bonita de avenida. Ela estava a limpar um dos banheiros quando o homem trancou-se junto a ela e a estuprou. Depois de satisfazer-se desferiu ameaças contra a moça. Sentindo-se suja, ela pegou a bicicleta e foi para casa. Em pânico, na esperança de uma ajuda, ela contou o acontecido para o marido e pediu perdão. Este, enfurecido, não foi tirar satisfação com o empresário, resolveu dar uma surra na mulher e só parou porque minha mãe interveio.
Dias depois, o mesmo Mercedes Benz que os trouxe, levou-os embora. Agora, no entanto, já não havia mais felicidade, tampouco esperança, apenas tristeza e desolação.
Eu devia ter uns quatorze anos naquela época e era colega do filho do empresário. Estávamos no intervalo de um jogo de futebol no campo do Floresta quando o rapaz foi ter comigo:
– Meu pai disse que aquela tua vizinha, a paranaense gostosinha, foi embora sem mais nem menos. É mesmo uma raça preguiçosa!
Eu fiquei em silêncio, minhas bochechas avermelharam-se e meu rosto ardeu em chamas. Não sei como consegui ainda me despedir. Eu corri em direção a Avenida Vinte e Um de Janeiro e, quando ali cheguei, longe dos olhos dos outros moleques, debulhei em lágrimas.