Tenda do cabaço (Peterson Quadros)

Era sexta-feira. Ainda não sei o porquê, mas na escola, a maioria das coisas acontece nesse dia. Como sempre, depois da roda inicial com as crianças e da correção da tarefa de matemática, na verdade, de acordo com a nomenclatura do mundo do “pedagogicamente correto”, eu deveria utilizar a palavra socialização, soa melhor aos ouvidos das educadoras, já que a outra carrega toda uma concepção histórica de repressão oriunda da ditadura militar. Temos que ter muito cuidado com isso.
O fato é que depois das quatro da tarde, as crianças estão livres para brincar, é dia do brinquedo. Uma hora de pátio. Tempo usufruído com leitura, brincadeiras de faz de conta, pega-pega, queimada, cabo de guerra, futebol e tantas outras delícias.
Naquela tarde um grupo de meninas me pediu o aparelho de som. Peguei-o na secretaria, levei-o até a sala, fiz todo o procedimento de analisar os CDs e fiquei um tempo com elas. Na palavra das professoras “o que os jovens estão ouvindo é preocupante”. Em qualquer escola sempre há um debate sobre música e eu nunca tinha me importado com isso, até aquela tarde.
Uma vez uma professora “cinquentona”, daquelas toda “laquezada”, fã de Ella Fitzgerald, Frank Sinatra e, nos momentos de faxina, Jovem Guarda, balançava a cabeça e perguntava lamuriosamente para suas colegas “Como é que podem dançar na ‘Boquinha da garrafa’?”
Depois da onda Funk, a “Dança da garrafa” se tornou ingênua. Imagine o impacto de ver crianças de seis anos rebolando e entoando “Só as cachorras, Tum, Tum, Tum! Só as cachorras, Tum, Tum, Tum!” ou querendo ser as “Piriguets”. Essa última foi um escândalo. Soube de uma coordenadora que, depois de ouvir as crianças falando tal palavra, resolveu ir atrás do significado, afinal um professor é um pesquisador. Foi ao dicionário e nada, partiu então para a internet. A mulher digitou “Periguetes”, o Google corrigiu. Você quis dizer “Piriguets”. “Isso mesmo”, comemorou ela apertando no botão de busca. Uma infinidade de páginas definiam, reproduziam e exibiam imagens e vídeos de uma exótica dança. Só sei que depois disso a coitada ficou muda, tamanho o choque que sofreu.
Bom, depois de averiguar algumas músicas das meninas, fui ver como estavam as outras crianças na quadra. Passados alguns minutos, uma professora ouviu um barulho estranho vindo daquela sala. As meninas haviam fechado a porta e as janelas. A mulher pensou em dar um pequeno susto na meninada, abaixou lentamente o trinco e quando fez o “Bu”, acabou conhecendo a novíssima música coreografada “Tenda do cabaço”.
Fui chamado às pressas, a mulher desmaiou, tive que ajudar a carregá-la. Chamaram a ambulância. Chegou o médico, que olhou para mim e perguntou o que tinha acontecido com a moça. Tentei explicar que a tenda tinha caído e o cabaço…
“Tudo bem meu filho, não precisa falar mais nada. Pessoal, vamos intubar!”