Síndromes de Down não são fofinhos

Sei que o título parece um tanto provocativo, mas imaginem a seguinte cena: Eu com Katie, uma mulher de quarenta anos, alguns cabelos grisalhos, síndrome de Down. Sábado de manhã, estávamos em um salão de beleza aguardando pacientemente a nossa vez. Líamos alguns artigos políticos e debatíamos a situação nada fácil da Ucrânia no atual momento. Quando chegou a vez de Katie ser atendida, eu fiquei compenetrado em minhas leituras e ela, feliz, foi cortar os cabelos. Terminada a sessão, minha amiga e moradora aqui da comunidade, desembolsou vinte euros e quitou o serviço. Eis que a cabeleireira sorridente, depois de exclamar um “que coisa mais fofa!” apertou-lhe a bochecha, retirou um pirulito de um pote de guloseimas e lhe ofereceu como se fosse ela uma criança de seis anos. Sem jeito, Katie que é muito educada, pegou o doce, agradeceu, e saiu, como se pode pressupor, arrasada.
Claro que as pessoas não tecem esse tipo de comentário porque são más, elas somente enxergam um tipo de beleza infantilizado, vendido pela nossa sociedade. É uma atitude ingênua, mas que, como no exemplo acima, magoa. Lembro que, quando aqui cheguei, levei um cesto de vime na cabeça porque falei para uma senhora com síndrome de Down e mais de sessenta anos, quando esta estava a passear… “Que serzinho mais bonitinho, parece uma fadinha”. Bom, a idosa indignada, me lançou o objeto e com o dedo em riste me atacou: Você me respeite rapaz, eu poderia ser sua avó!
Desde que passei a viver com minha excêntrica família tenho feito pequenas descobertas, minúcias cotidianas que me deixam próximo daquilo que eu entendo e chamo de dignidade. Algo muito simples é o fato de que todo ser humano guarda em si o desejo de ser levado a sério, mesmo que isso não seja evidente. Há gente que parece gostar de ser tratada com uma certa dose de infantilidade. Na verdade foram educadas para isso ou estão apenas acostumadas a serem assim. Quando, porém, elas assumem a consciência da sua situação, sentem vergonha de serem tidos como meros bibelôs dos que se julgam “normais”.
Bebês ou crianças pequenas são bonitinhos, fofinhos, meiguinhos e não alguém com quarenta anos. Não se chama um homem de meia-idade que você encontra na rua de lindinho. Coloquem-se na posição de alguém que vai ao dentista e de depois de ter suportado quieto o martírio que é estar naquela maldita cadeira por mais de duas horas, ser aclamado com palmas e receber como recompensa, pela bravura, um balão do Zé Dentinho. Infelizmente eu já vi isso acontecer com um dos senhores de quem eu cuido. No carro, o sobrevivente da Segunda Grande Guerra, me olhou e comentou meio sem jeito… “Acho que a doutora pensou que eu fosse um palhaço e não simplesmente alguém que precisa de ajuda para algumas coisas.”
O texto de hoje termina com uma foto do ator e pedagogo espanhol Pablo Pineda. Para saber mais sobre ele clique aqui.

pablopineda