Os 800 da África e a explicação ignorante

Pensem nas crianças se debatendo no mar até que, por fim, a água salgada vence a batalha e domina os pulmões daqueles pequenos moribundos. Isso também acontece com algumas centenas de mulheres e homens de um continente desgraçado. Se pudéssemos ouvi-los, primeiro ficaríamos destroçados pelo choro abafado, pelos gritos desesperados e, por fim, seríamos dominados pelo terror do silencio absoluto.
Naquele mesmo mar, em praias paradisíacas, não tão distantes assim, entupidas de turistas, famílias curtem um ensolarado dia de sol. Crianças de propaganda de televisão constroem castelos de areia, solteiros sarados mergulham e mulheres de seios siliconados se refrescam na água morna. Ouvem-se risadas, música alegre, jamais a calada.
A justificativa espúria que fui obrigado a ouvir de um amigo com sua passagem aérea para Ibiza, sobre os oitocentos mortos no último naufrágio de refugiados africanos no Mar Mediterrâneo, foi severa…
Imagine que você possui uma casa confortável e espaçosa. Você tem um gato, compra comida da melhor qualidade para ele, leva-o frequentemente para o veterinário, brinca com o bichano, enfim, você o ama incondicionalmente e dá tudo de melhor para ele.
Em bairros distantes do seu vivem muitos outros felinos em condições precárias de existência. De repente um desses gatos, cuja existência você ignorava, aparece no seu quintal. Você, dotado de compaixão, o alimenta.
Um dia depois aparece outro, então outro, mais um, três, nove, doze. Nas semanas subsequentes os espaços físicos da sua vida estão completamente preenchidos por felídeos.
No intuito de dar comida para todos aqueles coitados, você acaba não tendo o suficiente para alimentar-se a si mesmo e acaba morrendo.

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