O estatuto do parquinho

Quem tem filho sabe a importância do parquinho na formação social da criança. Não, não sou pedagogo, pelo menos dos meus filhos não! Sou pai e ali, em meio a gangorras, escorregadores e caixas de areia, me encontro em dias ensolarados, nebulosos e também chuvosos. Parquinho é integração!  Não apenas crianças com crianças, mas também adultos com adultos e, por fim, adultos com crianças. Aqui na Alemanha, nesta última interação, o cuidado precisa ser redobrado. Estou a falar de nós, imigrantes de coração aberto e adeptos aos elogios sobre a boniteza dos outros pequenos. O abraço entre meros conhecidos é proibidíssimo e pegar uma criança no colo, que não seja a sua, pode ocasionar uma ida involuntária à delegacia. Todo mundo tem um amigo ou amiga que passou por isso. 
Aqui na comunidade, felizmente,  as coisas são um pouquito diferentes. Somos um povoado afastado e convivemos praticamente uma década e meia juntos. Tivemos nossos filhos na mesma época e, agora, eles dividem o parquinho. 
Eu confesso em português, lógico, que o parquinho me causa náuseas. Frequento-o todos os dias simplesmente porque sou pai e as crianças ficam a me aporrinhar para ir lá brincar com os outros. 
Tudo começa com um aborrido small talk para utilizar um termo moderninho. Qual é a última daquela série do Netflix? Putz, eu que não assisto séries na bendita plataforma me sinto excluído. Depois de falar do tempo; do almoço e de alguma tragédia, incomparável com aquelas que assistíamos à mesa ingerindo o alimento enquanto a televisão ligada transmitia algum corpo sem vida jogado em uma vala,  vem os discursos ufanistas sobre o que cada criança já consegue fazer. Um conjunto de superdotados. Eu fico quieto. Quando me encurralam, digo apenas que os meus filhos respiram genuinamente bem e oxigenar o cérebro é tudo! O vizinho do lado esquerdo ri amarelo enquanto o direitista fica pensando na resposta. 
Outro dia constatei a precisão alemã na caixa de areia. A vizinha da direita tirou a pazinha do meu Benjamin sob o argumento de que ele já estava de posse daquela ferramenta de plástico azul fazia seis minutos quando o correto era cinco. 
Pasmo, perguntei de onde ela tinha tirado aquele disparate. Todos me olharam atônitos,  ao que o esquerdista, quer dizer, o vizinho da esquerda, me respondeu: Está escrito no estatuto do parquinho! 
Construímos juntos o parque e eu não tinha ideia de que havíamos votado ou redigido um estatuto. O fulano da direita foi então até a sua casa,  voltou com um punhado de folhas amareladas e me explicou que o estatuto que rege os parquinhos é um documento de 1952, válido em todo o país da salsicha. 
Bom, agora sei que os meus pequenos têm o direito de balançarem-se dez vezes antes de ceder lugar a outra criança.