O dia em que encontrei Michael, o Schuhmacher

Berlim é realmente uma cidade envolvente. Imagine um lugar com uma ilha só de museus, isso sem contar o portão de Brandenburgo, os restos do muro, o Hotel Adlon onde falecido senhor Jackson quase deixou cair aquele bebê, as celebridades que transitam pelas ruas como cidadãos comuns.
Imagine só que, naquele dia, saí com um par de sapatos rasgados na mão. Precisava costurá-los, afinal eram do Brasil e sou meio nostálgico, ganhei de aniversário coisa e tal.
Bom, atravessei a rua, estava no pátio do supermercado e quem eu encontro em uma pequena birosca? O Schuhmacher.
Primeiro fiquei estático, depois veio a tremedeira. Lutei contra a timidez e o cumprimentei com toda a formalidade:
– Boa tarde Senhor Schuhmacher.
Num ato totalmente inacreditável, afinal estamos na Alemanha e aqui existe todo um modo de tratamento formal, ele sorriu e disse:
– Me chame apenas de Michael.
Poderia ter sido Schumi, pensei, mas deixa estar. Ele prosseguiu:
– Você viu o que aconteceu com aqueles jovens? (o inusitado encontro ocorreu na semana da tragédia Love Parade, na cidade de Duisburg.)
Com os sapatos na mão, ainda aturdido, respondi laconicamente:
– Chato…
Michael, cheio de sabedoria, profetizou:
– Foi triste, mas devemos olhar sempre o lado bom das coisas, poderiam ter sido mais pessoas. É olhando para o belo que mantemos as esperanças.
Demais não é verdade? O cara além de tudo também era metido a pensador. Resolvi dar o bote e, com toda a intimidade, perguntei:
– Michael, me conta uma coisa, andas correndo muito?
Sério e em tom funesto, o homem respondeu:
– Eu lá nem carro tenho e estou cansado desse tipo de piada. Agora por favor me dê o sapato que eu preciso trabalhar.
Peguei a ordem de serviço e nem me despedi do seu Michael, o Schuhmacher.
A propósito, Schuhmacher com “h” entre o “u” e o “m” significa sapateiro!