Meu (ex)amigo matou o Pumba

Nos encontramos pela primeira vez no jardim zoológico. Nós nos criamos ali pelas ruas de Pomerode. Eu num canto, ele noutro. Frequentamos o mesmo colégio e tivemos, em comum, muitos professores. Ele em uma turma, eu, mais velho, em outra.
Uma professora de biologia foi quem nos apresentou.
Na época o nosso zoológico era pequeno e estava a sair de uma longa crise.
O marido dela era o veterinário do lugar. Ele recebeu Magal e a mim com grande alegria.
Magal era um sujeito genial. Loiro de cabelos compridos, magro, tinha olhos grandes e curiosos, além disso tinha um respeito e um amor incondicional por aquilo que o senso comum alcunha por natureza.
Certa vez foi o escolhido para ir junto com o veterinário buscar um filhote de lontra que havia sido resgatado pela Polícia Ambiental. Magal tornou-se amigo do bichinho e contribuiu de maneira significativa para a improvável sobrevivência do mesmo. Era uma espécie de Herói Mirim; alguém que teria um futuro brilhante e certamente contribuiria positivamente para um mundo melhor.
Bom, o tempo passou, eu saí da cidade e, eis que quase duas décadas depois eu o reencontro no Facebook. As fotos de uma praia paradisíaca em Porto de Galinhas, Chapéu-panamá, camisa de linho branca, uma mulher loira em quase todas as imagens, além de muitas declarações melosas, indicavam que o meu amigo havia se casado. No entanto seu rosto havia mudado. Os olhos continuavam grandes, mas já não havia curiosidade, o rosto havia enrijecido e mesmo sorrindo a impressão que dava era de estar diante de um bloco de concreto.
Eu estava prestes a escrever uma carta para ele quando se iniciou o funesto processo eleitoral de 2018. A trágica eleição trouxe à tona seu (novo) caráter. De repente Magal passou a postar fotos com armas, começou a ofender amigos que pensavam diferente dele. Palavras de baixo calão foram proferidas. Respaldava seus discursos misóginos, machistas, racistas, espúrios em essência, no evangelho.
Entre tantos rompimentos que tive no ano anterior, por algum motivo, esqueci de excluí-lo da minha lista de amigos. Eis que semana passada, após muito tempo, Magal volta a postar fotos daquilo que havia se tornado. Dessa vez cruzou o Atlântico e chegou ao magnânimo continente Africano.
Tal como um modelo (do mal) postou imagens suas com diversos rifles. Grandes, precisos, poderosos, mortais.
Em pose de ataque, postou fotos em cima de Jipes modernos, ao lado de sádicos turistas brancos a fazer um autêntico safari africano. Logicamente, como pano de fundo, trabalhadores negros garantiam a segurança e o bem-estar daqueles que impulsionavam o turismo local.
A cereja no topo da torta veio na última imagem antes de eu deletá-lo… Um enorme javali exaurindo sangue pelas narinas, todo furado por balas jazia no chão. Em cima do bicho, um Magal imponente com roupas camufladas fazia cara de mau e exibia seu rifle. Talvez meu ex-amigo não consiga gerar a vida, talvez ele nem queira isso, pois o que sacia sua alma de verdade é o poder que ele tem de tirá-la.