Grupo de férias

Nova pausa do Vinhetas. Motivo: O isolamento voluntário de um grupo de férias em uma casa sem internet. De repente a comunidade ficou vazia. Os moradores cujos familiares ainda vivem acabaram por encher um ônibus de viagem alugado.
Eu não fui. Fiquei por aqui, cuidando de um grupo que precisa de cuidados especiais. Há quem diga que eu sacrifiquei o meu natal, pois Simone ficou sozinha com Gabriel. No entanto, de alguma forma, eu sentia que tinha de fazer aquilo. No natal, quem fica na comunidade é porque geralmente já não tem mais ninguém que o cuide. Ficam os velhos, os fracos, os solitários.
A estrutura de um grupo de férias é diferente da adoção de uma excêntrica família em uma comunidade onde tudo funciona. Durante o natal não há oficinas, a casa é diferente, o cuidado é feito por uma outra pessoa. Tudo muda. No entanto, para alguns, a mudança é algo inaceitável.
Antes de começar com o grupo, eu fui ao escritório pegar a papelada e o dinheiro para sobreviver esses dias. Um envelope feito de papel reciclado guardava os diagnósticos e os cuidados especiais para com cada participante. Na noite anterior li tudo com a máxima atenção, principalmente as folhas que continham a descrição dos medicamentos. Responsabilidade pesada.
Por sorte eu não estaria sozinho. Quatro japoneses e uma alemã completariam o time. A ideia do grupo de férias, num resumo grotesco, é o seguinte: Você assume a responsabilidade por um conjunto de cerca de dez pessoas com necessidades especiais, em uma casa disponível aqui da comunidade. No grupo de férias você tem que limpar a casa, cuidar das pessoas, ministrar medicamento, cozinhar e proporcionar atividades culturais, como cinema, teatro, concertos e afins.
Um dos rapazes que precisava de ajuda se chamava Cristiano. Quando li sua pequena biografia me assustei, mas, aos poucos, descobri um sujeito genial. Cristiano tem compulsão por comida. A cozinha precisa ser chaveada, xampus, sabonetes líquidos devem ser evitados, velas precisam ser escondidas, enfim, tudo que tem uma consistência menos dura do que um pedaço de madeira de pinus, pode ser por ele engolido. Cristiano fala pouco. Quando se agita, solta alguns grunhidos e começa a dar tapas na sua careca. Principalmente quando está diante de algo que ele quer devorar. É uma constante luta interna onde, na maior parte das vezes, ele consegue vencer, mas como sempre na vida, estamos sujeitos a recaídas.
Cruel é o que a indústria de cosméticos e produtos de limpeza faz com o rapaz. Já na primeira ducha Cristiano surtou. Pedi para que um dos japoneses o ajudasse. Três minutos e o meu nome é entoado. Chego no banheiro. Cristiano, olhos esbugalhados, batendo na cabeça e repetindo: Cacau! Cacau! O cheiro no ar era de uma fantástica fábrica de chocolate. Minha boca enche de água. Eu olho o sabonete importado da Itália e entendo o desespero do meu amigo.

cacau

Passada a primeira provação, chegou a hora da loção corporal. Cristiano subiu pelas paredes. Pegou o tubo e queria por toda a força enfiar na boca. Um apetitoso cacho de groselha-preta dava a impressão que o negócio era uma calda deliciosa, dessas que colocamos em cima do sorvete. Depois de muita negociação, tiramos o produto de circulação.

cassis

 

Por último, quando o pesadelo do banho terminou, ao transitar pela cozinha, quase vazia, Cristiano para. Começa a bater na cabeça. Eu procuro em todos os lugares possíveis até que enxergo, perto da pia, um maldito detergente sabor morango com cassis.

morango