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Sobre Prestes e Lopes

Depois de quatro semanas, reativei o dito Instagram. Nesse meio tempo, acabaram-se as férias; os concertos de fim de semana voltaram com força total, o outono despeja, em mim, toneladas de folhas amarelas, vermelhas e roxas. Nas quatro semanas que fiquei sem ver as fotos daqueles que amo, consegui ler o livro de Daniel Aarão Reis sobre Luís Carlos Prestes. Bom, vale a pena a leitura? Sim, no meu caso valeu, e muito! A lendária marcha, no início do livro, após uma curta explanação sobre a infância e juventude desse fantástico ser, me levou para os cantões mais inóspitos do nosso amado Brasil. O livro é muito mais jornalístico do que poético, mas isso não tirou a magia daquela que, talvez, foi a maior saga da nossa História. No entanto, uma pergunta tola ficou em meu coração. Desde o início, talvez pela narrativa do autor, era presumível o fracasso da marcha, então, por que eles marcharam?
Tem uma frase de Galeano que me acompanha e, talvez, explique o porquê… A utopia, diz ele, está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. 
Aliás, se colocarmos os pingos nos is, a vida de Prestes foi uma sucessão ininterrupta de infortúnios políticos, mas o carinha mirrado não desistiu, ele persistiu no sonho de um Brasil mais justo e, depois que se “converteu” ao comunismo, quis também um país sem classes. Não sei se ele conseguiu fazer muito, mas ele desejou e o seu desejo transformou-se em luta, uma luta que, durante anos, foi travada lá onde o vento faz a curva, num país chamado Rússia. Foi Prestes que fez do PCB um partidão e, quando este foi convidado  a se retirar, o Partido Comunista Brasileiro se minusculizou. 
Enfim, independente da escolha política de cada um, o livro de Aarão é fundamental para a compreensão da nossa história política. Uma das coisas que me encanta em ler livros é a semente da curiosidade que nos lança em outras jornadas… Confesso que, entre outros, fiquei curioso para saber mais sobre Leonel Brizola. Em breve, quem sabe nas férias de inverno, encantar-me-ei com Clóvis Brigagão e Trajano Ribeiro; assim, quem sabe, compreenderei mais as escolhas de meu “Bruder” Fernando Lopes.

A companheira Cinthia e o monofônico Motorola da Alegria

A companheira Cinthia

Uma verdadeira revolução não se faz apenas com lutas e ambições, mas fundamentalmente com alegria e comunicação. Em nossa trupe ela sempre foi a comandante dos sorrisos loucos, dos papos, das piadas e tiradas mais insanas possíveis. Era tão comunicativa que dialogava em português com os alemães e eles, pasmem, compreendiam. Uma coisa completamente “sobre” o natural, um talento inato que sempre me encantou.

Karlsruhe

Era uma daquelas gostosas noites de verão, estávamos em Karlsruhe, cidade onde fica situada a suprema corte alemã. Ao lado da prosaica porém importante construção, um palácio transformado em museu e um jardim enorme com aqueles gramados extensos onde, nos finais de tarde, tribos se encontravam.

Como era de se esperar, tudo muito pacífico e harmonioso. Cada grupelho, em roda, conversava baixinho, sem movimento, música alta, risadas exageradas ou coisa desse tipo.
Cinthia e Sopa

Chegou Cinthia. Num primeiro momento indiginou-se com o tédio. Olhou para o lado e puxou Sopa, um amigo togolês chegado em eletrônicos, que de lampejo sacou do bolso um arcaico, gigantesco e monofônico Motorola.

Silêncio! Tudo, inclusive os carros, o metrô, a corte, as pessoas, pararam por minutos e todos os olhos se voltaram aqueles dois.
Sopa deu a entender que faria uma ligação com o pré-histórico instrumento, apertou um botão. Repentinamente, começou uma daquelas terríveis e enfadonhas músicas Midi.
Ao mesmo tempo Cinthia iniciou uma coreografia que, em efeito dominó, arrebatou todos os alemães. Sem perceber, os batatas saíram de seus mundinhos e acompanharam minha amiga pela noite adentro, festejando e pulando num movimento digno de trio elétrico. Assim a nossa histórica e agora também dançante revolução ganhou força, cresceu e se projetou para além dos nossos limites.
Cinthia e o casal revolucionário

Companheiro revolucionário Rony (O provocador)

Toda revolução precisa de alguém que incite, desafie, provoque. Uma pessoa que tenha a coragem de romper impulsivamente com aquilo que fora preestabelecido por algum burocrata qualquer.
Estávamos lá, naquela cidade de não mais do que vinte mil pessoas esquisitas. A copa do Mundo de 2010 se desenrolava com o Brasil fora. Nossos clarinhos amigos riam e faziam piadinhas sobre nós, a fraca seleção “samba und caipirinha”. A euforia da vitória dos batatas sobre a Argentina foi manifestada em gritos, carreatas e a certeza da conquista do tetra.
Rony, nosso subversivo de plantão, no auge dos seus quase um metro e setenta, paulistano puro (quer dizer puramente misturado), com um chapéu que provavelmente foi comprado em algum rodeio crioulo, cabelo de molinhas, cansado de ser achincalhado, aguardou, como todo sábio revolucionário, o momento adequado.
Chegaram as semifinais: Alemanha contra Espanha. Decidimos que veríamos o jogo no epicentro da agitação germânica em Engen, ele torcendo declaradamente e a plenos pulmões contra, obviamente.
Com a bandeira verde-amarela na cintura procurou um bar no centro da cidade, com direito a telão e tudo. Faltando quinze minutos, o lugar estava lotado. Famílias com suas crianças gordinhas, casais de velhinhos sorridentes e, como não podia deixar de ser, os musculosos e tatuados cabeças raspadas, com suas camisetas admoestativas: Não roubem nossos empregos!
Tudo muito amarelo, vermelho e preto. Cerveja para todos os lados, muita alegria até que, em determinado momento, uma só voz ecoou pelo salão. O grito ibérico de gol, proferido por Rony, calou a então lacrimejante torcida alemã. Naquela noite ele corajosamente pulou, gritou, dançou e festejou uma vitória que também passou a ser nossa.
 
 

Companheira revolucionária Marina

Ao contrário do que possa parecer não tem nada a ver com política partidária e, embora a “nossa” seja completamente Bio, acredito que ela não é filiada ao PV.
A Marina de quem estou falando acabou de casar pois uma sublevação, tal como a sonhamos, feita a dois é sem dúvida mais divertida.
Trocou o mundo da cerveja pela terra dos canivetes, relógios, queijos e chocolates, afinal não podemos ficar confinados em um só lugar, precisamos nos alastrar, conquistar, fazer acontecer.
Construiu uma casa de farinha de mandioca, bem maneirinha, que o vento até podia levar (espero que, se não voou, aguente o frio de dezembro).
Semana passada foi para o Egito, brincou de roda, andou de camelo, tirou fotos de estrelinhas penduradas (ato completamente Waldorf, como tudo em sua antroposófica vida).
Na sua despedida do grupo, fizemos um bolo matrimonial gigante, comandado pela Chef Simone e Jorge que, pasmem, também cozinha.
Nesse exato momento a nossa revolucionária amiga se prepara através de muita arte (o marido é artista) e muita pedagogia para assumir, num futuro não muito distante, o seu papel dentro desse novo e fascinante mundo que estamos a criar…

Companheiro Revolucionário – Jorge Sanchez

Bom, se você nasceu em algum lugar de nossa gigante, inconstante, caótica, porém maravilhosa América Latina, considere-se um companheiro revolucionário, um irmão de luta e sobrevivência.
Como disse Ernesto Guevara de la Serna…

Ainda que não sejamos pessoas significantes e sejamos impedidos de sermos porta-voz de sua causa, acreditamos e, depois dessa viagem mais firmemente do que antes, que a divisão da América em nacionalidades incertas e ilusórias é completamente fictícia. Constituímos uma única raça mestiça desde o México até o estreito de Magalhães.

A partir dessa semana vou postar sobre gente do nosso mundo perdida no velho e individualista continente. Pessoas com ideias e aspirações que me fizeram crescer, sonhar e amar o lugar de onde eu venho.

A revolução está encaminhada, se processa e se constrói em encontros casuais e lugares inusitados, como foi com Jorge. Boliviano, político feroz, intelectual mordaz, dono de um coração do tamanho do Salar de Uyuni, o maior lago salgado do mundo e que fica, pasmem, na Bolívia. Foi com ele que discutimos as preliminares do projeto, em mesas comuns e com refeições “Demeter”, testando a nossa rebeldia de trintões no meio da noite, bebendo cerveja, sentados em calçadas de cidades fantasmas das quais nunca ouvimos falar.

Rompemos as fronteiras do conhecimento antroposófico e chegamos juntos ao Goetheanum, trocamos ideias, soltamos piadas, sonhamos e, como precisa ser, voltamos ao nosso isolado mundo, a tempo de trabalhar em nossa utopia: A revolução através da educação.

(O meu idealismo me consome!)