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Quando Nietzsche chorou

O inverno ainda não tinha acabado e eu estava lá, com a pá na mão e a ingrata tarefa de tirar a neve da calçada. O frio consumia meu ânimo, mas afinal de contas, estava na Alemanha. Terra de Nietzsche, Humboldt, Heidegger, Leibniz, Thomas Mann (a mãe era brasileira, ou seja, um pedacinho daquele nobel pertence a nós também), Hölderlin, Lutero, Schiller, Goethe e tantos outros que fazem ou fizeram esse povo ser, para mim, tão culto e fascinante.
De repente, chega a nova vizinha. Uma elegantíssima cinquentona, com uma daquelas capas escuras, cigarro entre os dedos, óculos e livrão do Yalon embaixo do braço. Uma pessoa dada ao estudo – pensei comigo. Eufórico, pois estava prestes a ter um verdadeiro papo intelectual em terras germânicas. Cogitei em perguntar sobre o livro, mas foi ela, depois dos cumprimentos, quem abriu o diálogo:

– Você é brasileiro, não é?
– Sim, sou sim.
– Poxa, já viu neve? Ah, que pergunta mais tola, é claro que sim, no topo do Kilimanjaro tem gelo o ano inteiro.
A única resposta possível, que não falei, é claro, seria:
– O problema é que o Kilimanjaro fica um pouco distante da nossa capital, Buenos Aires e como no Brasil todos falam espanhol e o meu sotaque é um pouco carregado, fica difícil chegar lá em cima para ver a neve.
Bom, certamente naquele dia, ao olhar aquela pessoa, ao ouvir aquele diálogo, Nietzsche chorou, profunda e copiosamente.

O filosófico Jardim – O ataque do Guaxinim

Primeiro o desgraçado devorou nossos morangos, em seguida acabou com a plantação de milho, com as amoras e por último foram os tomates que com tanto zelo plantamos e infelizmente não colhemos.
Para Mosé, o italiano gente boníssima que trabalha em nosso Filosófico Jardim(outro dia explico melhor esse nome), foi a gota d’água. Montamos uma megaoperação, estilo Globo Repórter na floresta Amazônica, para capturar o bicho e soltá-lo em algum lugar bem longe.
Depois de três dias de espera, lá estava ele, aprisionado em nossa armadilha. Era um guaxininzinho simpático, sapeca, barrigudo e fotogênico, bem diferente do que imaginávamos.
Nos minutos seguintes nos afeiçoamos ao pequeno animal, conversamos com ele, rimos, brincamos e no meio daquela alegria generalizada, confesso que, por instantes, bateu um certo remorso. Bom, tudo até que … (assista ao vídeo)

A casa dos Patos ou Entenhaus 2

No meio da bebedeira, ao lado da fogueira, sendo comido pelos mosquitos, conversando com os amigos, aquele diálogo alemão, cheio de piadas e tiradas tipicamente germânicas que muito se diferem do nosso humor e consomem quase toda a minha capacidade mental, pois estou sempre tenso e me sinto na obrigação social de rir com todo mundo, de repente fui aturdido por um inadvertido flash. Primeiro aquela cegueira centesimal, depois as perguntas: Como? Onde? Quem foi? Para que isso agora?
Silêncio sacal. Aqui fazemos perguntas, todos riem abaixando suas cabeças e ninguém é capaz de responder. Sorte que chegou o companheiro revolucionário chileno José Cuervo (preciso publicar um post sobre ele) e foi logo falando em língua de gente: Tiene un sítio en internet sobre las fiestas en Entenhaus. Nuestras fotitas estarán lá. Fiquei intrigado. Fotos minhas em algum lugar da net depois de umas cinco cervejas quentes? Bom, pesquisei e encontrei a tal página, agora preciso fazer vigília para ver o que vai aparecer. Quer ajudar?

A casa dos Patos ou Entenhaus 1

Foi ontem a noite a tal festa na Casa dos Patos, antigamente um lugar construído para abrigar as aves de um dito rei (aqui tudo ganha uma conotação conto de fadas), hoje, devidamente adaptada e ocupada por praticantes de todos os tipos, jeitos e países.
Praticantes são chamados os estagiários que movem todo o lugarejo, um dia, sem dor de cabeça, explico melhor.
O fato é que, entre a caipirinha alemã (horrível) e as incontáveis marcas de cerveja, optei pela loira…temperatura ambiente, como reza a tradição germânica. Sete exemplares, algo no Brasil insignificante para um velho beberrão como eu, aqui porém o suficiente para eu encher os cornos e lembrar de poucas coisas. Ninguém comentou, isso significa que, por sorte, mantive a compostura. Acordei as oito, preparei o café, cozinhei para quinze pessoas e agora, com licença, preciso dormir, pelo menos um pouco…

Tenda do cabaço (Peterson Quadros)

Era sexta-feira. Ainda não sei o porquê, mas na escola, a maioria das coisas acontece nesse dia. Como sempre, depois da roda inicial com as crianças e da correção da tarefa de matemática, na verdade, de acordo com a nomenclatura do mundo do “pedagogicamente correto”, eu deveria utilizar a palavra socialização, soa melhor aos ouvidos das educadoras, já que a outra carrega toda uma concepção histórica de repressão oriunda da ditadura militar. Temos que ter muito cuidado com isso.
O fato é que depois das quatro da tarde, as crianças estão livres para brincar, é dia do brinquedo. Uma hora de pátio. Tempo usufruído com leitura, brincadeiras de faz de conta, pega-pega, queimada, cabo de guerra, futebol e tantas outras delícias.
Naquela tarde um grupo de meninas me pediu o aparelho de som. Peguei-o na secretaria, levei-o até a sala, fiz todo o procedimento de analisar os CDs e fiquei um tempo com elas. Na palavra das professoras “o que os jovens estão ouvindo é preocupante”. Em qualquer escola sempre há um debate sobre música e eu nunca tinha me importado com isso, até aquela tarde.
Uma vez uma professora “cinquentona”, daquelas toda “laquezada”, fã de Ella Fitzgerald, Frank Sinatra e, nos momentos de faxina, Jovem Guarda, balançava a cabeça e perguntava lamuriosamente para suas colegas “Como é que podem dançar na ‘Boquinha da garrafa’?”
Depois da onda Funk, a “Dança da garrafa” se tornou ingênua. Imagine o impacto de ver crianças de seis anos rebolando e entoando “Só as cachorras, Tum, Tum, Tum! Só as cachorras, Tum, Tum, Tum!” ou querendo ser as “Piriguets”. Essa última foi um escândalo. Soube de uma coordenadora que, depois de ouvir as crianças falando tal palavra, resolveu ir atrás do significado, afinal um professor é um pesquisador. Foi ao dicionário e nada, partiu então para a internet. A mulher digitou “Periguetes”, o Google corrigiu. Você quis dizer “Piriguets”. “Isso mesmo”, comemorou ela apertando no botão de busca. Uma infinidade de páginas definiam, reproduziam e exibiam imagens e vídeos de uma exótica dança. Só sei que depois disso a coitada ficou muda, tamanho o choque que sofreu.
Bom, depois de averiguar algumas músicas das meninas, fui ver como estavam as outras crianças na quadra. Passados alguns minutos, uma professora ouviu um barulho estranho vindo daquela sala. As meninas haviam fechado a porta e as janelas. A mulher pensou em dar um pequeno susto na meninada, abaixou lentamente o trinco e quando fez o “Bu”, acabou conhecendo a novíssima música coreografada “Tenda do cabaço”.
Fui chamado às pressas, a mulher desmaiou, tive que ajudar a carregá-la. Chamaram a ambulância. Chegou o médico, que olhou para mim e perguntou o que tinha acontecido com a moça. Tentei explicar que a tenda tinha caído e o cabaço…
“Tudo bem meu filho, não precisa falar mais nada. Pessoal, vamos intubar!”