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A senhora Boa e a disfunção erétil

Lembram-se dela? Eu já escrevi sobre ela aqui. Pois então, sexta-feira fiquei com esta figura à espera do urologista. Ela está a sofrer de incontinência generalizada. No começo fazia, vez ou outra, na cama. Depois começou a fazer nas calças quando contávamos alguma piada ou quando ficava nervosa por não ser a primeira a pegar a garrafa de café.
Tal situação a deixa, logicamente, triste. Até então, para o médico da comunidade, tudo estava dentro da normalidade. Simone, não satisfeita, marcou um urologista para a senhora Boa.
Estávamos na sala de espera. A senhora Boa, além de outras coisas, tem fixação por prospectos. Estava ela a caça de panfletos. Enquanto eu, compenetrado na tela do celular, apanhava para chegar aos 400 metros na pista mais fácil do Hill Climb Racing. A Senhora Boa encontra alguns cadernos, pega-os com pura alegria e inicia a leitura.
Duas velinhas, sentadas a nossa frente, dialogavam em alemão antigo. No celular, eu atingia a marca histórica de 338 metros, uma superação sublime da minha capacidade. A senhora Boa me fazia perguntas, no entanto eu não podia desviar minha atenção. Murmurava micro palavras assertivas, sem lhe dar muita bola. 374 metros, um passo insignificante para a humanidade, um salto gigantesco no caminho da minha evolução pessoal. As velhinhas pareciam ter tido um ataque de riso, estavam a soluçar. 397 metros, eu me distraio, o jipe capota, as velhas já estão a chorar fazendo uma algazarra que ecoa por toda sala de espera. A senhora Boa briga com o prospecto. Vira o papel de um lado, vira de outro. De repente balança a cabeça negativamente e diz… “Eu não posso levar isso para casa! Eu não posso levar isso para casa!” Diante da situação, um tanto estranha, eu peço para olhar o folheto. Ela me entrega a brochura com uma foto e um título deveras esclarecedor. O nome da senhora Boa é chamado pela enfermeira. Eu levanto, olho para as duas senhoras e me valho do clichê “Não é isso que vocês estão pensando!” As duas respondem um curto “entendemos!” e voltam a rir escandalosamente.

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O senhor Raio de Sol e olho de peixe

Queria muito que se tratasse de uma adoração do Senhor Raio de Sol pelo magnífico álbum de Lenine e Suzano. Infelizmente não é este o caso. Estamos falando aqui do Papillomavirus que causa a tal verruga plantar. O Senhor Raio de Sol está a criar, involuntariamente, um desses bichos. O tal ponto escuro e duro localizado precisamente no dedo médio do pé direito tem tirado o sono do meu nobre amigo. Sendo ele um dos meus adotados e, eu, o seu cuidador oficial, tratei de levá-lo ao médico o quanto antes. 
A consulta durou menos do que cinco minutos e o tratamento uma coisa muito simples. Curativo, com uma pasta verde, a ser trocado todas as manhãs. É aqui, meus amigos, que começa a história.
O Senhor Raio de Sol tem muitos medos e o maior, talvez, seja o de ser esquecido. É claro que tem um por que biográfico nisso tudo. Um dia, quem sabe, eu entro nos detalhes. 
Então, combinei com ele que a troca do curativo se daria todas as manhãs, no seu quarto, um pouco depois das sete. Na verdade eu sempre o “visito” nesse horário para saber como ele passou a noite, esvaziar a sua garrafa de urina e ajudá-lo a calçar os sapatos. Faz cinco anos que ele faz parte da minha rotina e, só no período de férias, logicamente, que um outro alguém assume o cuidado para com o senhor Raio de Sol.
Acontece que o medo a falta de paciência do meu amigo faz com que uma cena se repita constantemente. Um eterno retorno sem mito algum, um déjà vu quotidiano que me tira do sério. 
Meu apartamento fica no piso superior. Assim que abro a porta do meu privado reduto, ao olhar para baixo, enxergo o corredor de entrada da casa grande. Toda santa manhã, desde que começou o tratamento, dez para as sete, observo o senhor Raio de Sol cambaleante a empurrar o seu andador, com o pé direito descalço no piso de cerâmica gelado, tendo em uma mãos, junto ao pegador de borracha do seu veículo de locomoção, um sapato, uma meia de lã colorida e o curativo de pasta verde já amassado e com metade do ácido salicílico a lambuzar os seus dedos. 
Ele segue, a passos de tartaruga, em direção a sala de jantar, chamando desesperadamente o meu nome. Eu, já descendo as escadas, anuncio que o Sol raiou antes da hora, juntamente com um sorriso, o desejo de um bom dia e a indagação: Por que você não está no seu quarto? 
Como em uma peça teatral premeditada, o senhor Raio de Sol dá, não sei ainda como, um pulo, que simboliza um susto enorme, olha para mim com uma expressão de espanto, logo em seguida de alívio e diz: Graças a Deus que estás por aí. Achei que tinhas esquecido o nosso encontro. Já tenho tudo em mãos.

O perigoso mundo do „Faça você mesmo!”

Alguém me escolheu para ser pai. Ainda não falei disso aqui no Blog porque sei que, quando ela ou ele nascer, amá-lo-ei incondicionalmente e escreverei centenas de milhares de textos para o tal ser. Sendo assim, nesse momento eu tento dominar a emoção me apegando as coisas mais cotidianas possíveis, como por exemplo, a montagem de pequenos móveis. Afinal, ser pai é criar o quarto do minúsculo Vir-a-ser com as próprias mãos. Principalmente aqui na Alemanha onde mão-de-obra é coisa cara. Na batatolândia tornei-me, por necessidade, um adepto do compre, carregue e se vire para montar a sua nova penteadeira… sozinho!

A princípio montar um armarinho de três gavetas, uma cadeira, um baú, parece algo deveras insignificante.

Até seria, não fosse o livreto de montagem ser elaborado por algum chinês com poucos conhecimentos de desenho ocidental, tornando uma possível decodificação, tarefa de conclusão do curso de engenharia moveleira.

Isso sem contar a pressão psicológica. Logo na primeira página o desenho de um relógio estima o tempo de montagem em trinta minutos.

Imaginem vocês uma pessoa com baixa autoestima. A princípio ela está feliz com a nova aquisição. Chega em casa cantarolando, abre o pacote, separa peça por peça, começa a encaixar, parafusar (lembrando que a utilização de parafusadeiras elétricas é proibida!) e, de repente, percebe que levou trinta e sete minutos e quinze segundos para erguer o tal objeto. 

Uma leve sensação de fracasso paira no ar. A mulher, ao voltar do trabalho, acha linda a surpresa, dá um beijo no marido e pergunta, inocentemente, quanto tempo ele levou para montar o pequeno móvel. O sujeito silencia. No outro dia, alguém no escritório menciona o número trinta e sete. O homem já está nas últimas. Vitimado pela sua própria incompetência, resolve encher a cara.

Perdido em um boteco de periferia, no meio da bebedeira, ele ouve sem querer a conversa das outras mesas. Eis que em uma delas, um alemão musculoso, vestido com uma jardineira azul, camisa polo bege e calçando um sapatão com ponta de ferro, comenta que levou apenas vinte e dois minutos para montar um armário de três portas e cinco gavetas para a filha que está a fazer anos…

Não vou contar o final da história para vocês. No entanto, creio que podemos nos questionar sobre o motivo do alto índice de suicídios na Europa.

Quanto a mim… Levei dezessete minutos, nove segundos e três centésimos para montar o complexo Armário com rodas Tim, modelo número 29307010. Agora, com licença que o pai herói aqui vai abrir uma garrafa de vinho para comemorar. 


O estado de natureza, a cerca elétrica e o estado de guerra

Fulano disse outrora que o estado de natureza é o estado de guerra e sem a mão forte do Estado é um tal de toma lá da cá.

O Estado aqui nesse caso deve ser algo parecido com a nossa Tropa de Elite, cujo lema “Trucidar para a paz” se aplica perfeitamente.

Beltrano escreveu que não. O estado de natureza é o estado de comunhão e paz onde a inveja não tem vez, simplesmente porque nada é de ninguém e tudo é de todo mundo.

Tudo muito Flower Power até que um ser, desses que vivem à sombra (para plagiar um pouco), empregado de alguma concessionária de energia, trajando um macacão alaranjado, inventa a cerca elétrica e resolve cercar um pedaço de terra. Algo em torno de 360 metros quadrados. Dentro daquele pedaço de chão envolto em um inocente fiozinho metálico, escreve (o ser de macacão) um cartaz com letras garrafais: Pedaço de terra pertencente a José Augusto Estatutário da Costa!

Nasce, nesse exato momento, aquilo que entendemos por propriedade. Em seu proto-estágio de evolução um inocente formato geométrico traçado na geografia do planeta e pertencente a alguém que até então não fez mal a ninguém.

Eis que um incauto transeunte de bexiga cheia, sem se dar conta do limite imposto por José Augusto, resolve tirar a água do joelho e mira justo em cima do imperceptível fiozinho metálico.

O sujeito toma um choque daqueles de fritar instantaneamente qualquer órgão do corpo humano.

Não, não vou colocar nenhuma foto bizarra aqui no Blog, mas o homem, após o incidente, não conseguiu fazer prole. Magoado, depois da “recuperação”, foi tirar satisfações com o seu Estatutário que, ao ouvir o causo, enfureceu-se de tal maneira e acabou por cair no braço com o pobre sujeito que, inocente, nem ideia tinha do que a propriedade, esse conceito de vanguarda, significava.

Resultado: José Augusto deu a primeira bordoada. O outro, mesmo ferido, devolveu-lhe uma bofetada. A pancadaria aumentou e continuou. Chamaram os filhos, depois os irmãos, tios, cunhados, primos segundos, terceiros, quartos e assim, meus amigos, a propriedade originou o estado de guerra. 

Demeter – A deusa

Vivo falando aqui que larguei minha vida sedentária para virar um jardineiro “Demeter” mas acredito que nunca expliquei realmente o que é isso. Pois então, chegou a hora da verdade…
Primeira parte: Demeter – A deusa
Imagine que estamos na Grécia agora, num tempo em que o Deus Desconhecido de Nietzsche era só mais um anônimo no meio da multidão. Havia uma superlotação de gente poderosa no tal monte Olimpo e, entre tantos imortais, a nossa querida Demeter.
Filha de Cronos e Réia, foi educada e herdou toda riqueza cultural dos pais, inclusive os copiou, ao se casar com Zeus, seu irmão (pelo jeito os deuses gregos tinham uma inclinação canina, ficavam [sentido pejorativo] com todo mundo da família).
Considerada a deusa da agricultura, gostava de passear com seu amigo Dionísio, muito mais do que um enólogo, o sujeito era o próprio deus das uvas, fermentação, bebedeiras, boêmia. Bom, na esfera institucional, os dois proferiam palestras nas quintas a noite para os futuros empreendedores do recém-lançado agronegócio.
 
Um belo dia Demeter ficou grávida e deu a luz a uma bela menina de braços brancos a quem chamou de Perséfone (Não vou entrar nos detalhes da vida dessa aí, mas imagine Cristiane F. elevada a décima segunda potência. A cretina quase desgraçou a nossa vida aqui na Terra, tudo porque caiu na lábia do insaciável senhor Hades e sua caverna erótica com espelho no teto, vultos por todos os lados e direito a comer, depois do sexo, caramelizadas romãs do amor.)
Bom, o tempo passou, casamento desgastou e apareceu um herói grego, o Lásio, com quem teve um affaire. Demeter engravidou e, como resultado, nos deixou o Pluto!



Antes um simpático astro do desenho animado a um devorador de jovens como o Minotauro. Vocês não acham?