Arquivo da categoria: Campus de concentração

Palco giratório – Landesbühne – Siegfried Lenz

Hoje é dia de Teatro no Campus. Faz quatro anos que meu grupo subiu no palco e encenou  Leôncio e lena de George Büchner. Hoje o curso Ulmen apresentou uma novela de Siegfried Lenz chamada Palco giratório (Landesbühne).

buhne

Um grupo de presos aproveita a apresentação de uma peça teatral para fugir da cadeia. Eles roubam uma velha Kombi e se dirigem para o interior do país. Ao chegarem em uma pequena cidade eles fingem serem atores, tornam-se amigos do prefeito e são aceitos com enorme carinho pelos cidadãos. O prefeito que almeja incentivar a cultura local os convida a organizarem um museu municipal. Eles aceitam a empreitada no intuito de, com um pouco de dinheiro, fugirem para Dinamarca, pois lá os subsídios sociais do governo são enormes. Após a bem sucedida inauguração do Museu eles são convidados a receber as medalhas de honra do município. Infelizmente, no dia em questão eles são descobertos e obrigados a voltar para a cadeia.

No meio da encenação tivemos, como de costume, uma pausa bastante gelada…

IMG_0755

Agora vem a parte, que em minha opinião, é a mais significativa e bonita da história. Durante todo o tempo fica evidente uma profunda amizade entre João (Johannes) e o professor Clemente (Clemens). João planeja novamente uma fuga mas não chega a empreende-la pelo valor que dá ao amigo de cela.

IMG_0756

Meu adorável grupo de Rúgbi

Nutrição é sem dúvida a matéria que despertou minha atenção durante o semestre. A estreita relação com anatomia deixou-me extasiado, além da química toda que acontece com o alimento em nosso corpo.  A professora, no entanto, assim como as outras, sempre tirando lasquinhas do Brasil com perguntas do tipo: Para vocês, existe soja não transgênica? Você sabia que o Brasil é o líder mundial no uso de agrotóxicos?
Enfim, depois de muita tortura ela nos deu um trabalho de final de semestre. Tínhamos que montar um cardápio para um grupo de pessoas portadoras de necessidades especiais. O cardápio deveria ser extremamente sincronizado, ou seja, precisávamos levar em consideração as estações do ano, as atividades de cada um e o seu BMI, além do mais, teríamos que contar com um caso especial.

Alguém alérgico, intolerante a lactose ou glúten, diabético, etc.
Antes de terminar a aula a mulher nos disse em claro e bom tom que deveríamos deixar nossa imaginação livre, que erámos para criar situações diferentes, grupos inusitados…
Motivado pela última frase, montei um cardápio rico em carboidratos para um grupo de jogadores de Rúgbi com Síndrome de Down que disputam a série A do campeonato alemão. Passei noites e finais de semana elaborando o bendito cardápio, folhas e folhas descrevendo o grupo. Eis que dias após a entrega a docente me olha e diz… Sr. Quadros, eu gostei da sua brincadeira, mas onde está o trabalho?
 Trabalho? Respondi estupefato. Em suas mãos, como havia de ser, ora bolas.
Com pequenos ataques de riso, escrevendo em seu diário, ela comenta… Ficou muito bom, não fosse o grupo.

Resolvi argumentar… A senhora falou em imaginação. Desde quando pessoas com Síndrome de Down não podem jogar rúgbi?

A mulher então ficou séria e se manifestou raivosa…O que virá no próximo semestre? Possivelmente um time de xadrez composto por histéricos servindo-se de arroz com Ginko Biloba.  E por que não?  Insisti no ataque e me justifiquei… Fiz tudo dentro dos padrões.

Sim, mas esse grupo não condiz com a realidade. Diz-me ela. Sim, imaginação muitas vezes não condiz com a realidade. A essência, porém, daquilo que a senhora queria está aí. Respondi.

O diálogo não duraria muito mais. Valendo-se da autoridade que lhe é cabida, me colocou duas opções: refazer o trabalho sem o time de Rúgbi e ganhar uma boa nota ou permanecer com a equipe e ser coroado com a nota mínima.
Aceitei, sem dúvida nenhuma, a segunda, mas com um pequeno adendo depois do ponto final. Que o tal time sagrou-se, através da excelente alimentação, campeão nacional de Rúgbi…


As luvas da ignorância

Última semana no Campus em que eu vou para me concentrar e, ao contrário do que muitos pensam, tenho sobrevivido com suficiente dignidade. É claro que as homeopáticas doses de preconceito estão longe de acabar, principalmente no tocante a anatomia e enfermagem. Esta última quase me matou no último mês. Recebemos o resultado da prova final sobre excrementos. Inacreditavelmente consegui mais do que a média, algo em torno de sete e meio ou oito, o que gerou olhares malvados por parte do grupo. Mas enfim, terminada a aula, estava eu a comemorar quando a professora me chamou num canto e começou…
Senhor Quadros, dessa vez consegui entender tudo. É claro que não vou entrar nos detalhes gramaticais muito menos ortográficos. Alemão não é como “brasileiro” (achei que eu falava português do Brasil), é uma língua complexa e sei o quão difícil é para vocês (estrangeiros) aprenderem-na. Percebo porém um leve progresso no seu texto. (Na altura do campeonato, qualquer minúsculo elogio me faz feliz).

Com relação ao trabalho em si, faltou um detalhe imprescindível. Não foi mencionada a importância das luvas. (Ingenuamente pensei que estivesse subentendido que para limpar a bunda de alguém é necessário o uso de luvas. Mesmo assim reconheci o lapso).

Só não descontei pontos desse esquecimento porque pensei tratar-se de algo cultural (Cultural, como assim?). É que não sei como são as coisas no Brasil, mas aqui na Alemanha o uso de luvas é fundamental em qualquer procedimento e da próxima vez infelizmente considerarei isso falta grave.  

Que mulher incrível, não? Uma verdadeira antropóloga. Imaginem vocês que intuitivamente ela descobriu um abismo cultural entre nossos países. Afinal, no Brasil não sabemos o que são luvas, nem roupas, muito menos papel higiênico.

Num imaginário gesto de coragem encarei-a com seriedade atípica de meu ser e lhe disse em tom irônico que, em meu país não precisamos de luvas porque utilizamos as biodegradáveis folhas de bananeira que além de serem grandes, protegem a pele de forma natural contra uma eventual contaminação e caso seja necessária uma limpeza profunda nos valemos da milenar técnica do sabugo de milho que evita contato direto com o paciente. Infelizmente tais segredos culturais não são partilhados, pois se fossem certamente abalariam a indústria farmacêutica alemã.