As luvas da ignorância

Última semana no Campus em que eu vou para me concentrar e, ao contrário do que muitos pensam, tenho sobrevivido com suficiente dignidade. É claro que as homeopáticas doses de preconceito estão longe de acabar, principalmente no tocante a anatomia e enfermagem. Esta última quase me matou no último mês. Recebemos o resultado da prova final sobre excrementos. Inacreditavelmente consegui mais do que a média, algo em torno de sete e meio ou oito, o que gerou olhares malvados por parte do grupo. Mas enfim, terminada a aula, estava eu a comemorar quando a professora me chamou num canto e começou…
Senhor Quadros, dessa vez consegui entender tudo. É claro que não vou entrar nos detalhes gramaticais muito menos ortográficos. Alemão não é como “brasileiro” (achei que eu falava português do Brasil), é uma língua complexa e sei o quão difícil é para vocês (estrangeiros) aprenderem-na. Percebo porém um leve progresso no seu texto. (Na altura do campeonato, qualquer minúsculo elogio me faz feliz).

Com relação ao trabalho em si, faltou um detalhe imprescindível. Não foi mencionada a importância das luvas. (Ingenuamente pensei que estivesse subentendido que para limpar a bunda de alguém é necessário o uso de luvas. Mesmo assim reconheci o lapso).

Só não descontei pontos desse esquecimento porque pensei tratar-se de algo cultural (Cultural, como assim?). É que não sei como são as coisas no Brasil, mas aqui na Alemanha o uso de luvas é fundamental em qualquer procedimento e da próxima vez infelizmente considerarei isso falta grave.  

Que mulher incrível, não? Uma verdadeira antropóloga. Imaginem vocês que intuitivamente ela descobriu um abismo cultural entre nossos países. Afinal, no Brasil não sabemos o que são luvas, nem roupas, muito menos papel higiênico.

Num imaginário gesto de coragem encarei-a com seriedade atípica de meu ser e lhe disse em tom irônico que, em meu país não precisamos de luvas porque utilizamos as biodegradáveis folhas de bananeira que além de serem grandes, protegem a pele de forma natural contra uma eventual contaminação e caso seja necessária uma limpeza profunda nos valemos da milenar técnica do sabugo de milho que evita contato direto com o paciente. Infelizmente tais segredos culturais não são partilhados, pois se fossem certamente abalariam a indústria farmacêutica alemã.