A lagoa atrás do ginásio

É assustador saber que o lugar mais perigoso do mundo fica em Pomerode, pelo menos assim o era na cabeça fértil de minha oma.
Para ela, maconhados da pior categoria dominavam o tal espaço. Eles passavam o dia escondidos e saíam à tardinha, feito zumbis. Creio até, segundo as realistas narrativas da oma, que foi lá que Michael Jackson encontrou a trupe que protagonizou o Clipe Thriller.
A lagoa atrás do Ginásio era, para ela, um lugar apocalíptico, uma Maconhalândia, onde, depois de utilizadas as seringas que os maconhados utilizavam para se drogar, simplesmente as jogavam naquele charco.
Eu era um rapagão de uns oito anos de idade e adorava jogar futebol aos sábados de manhã no Ginásio de Esportes Ralf Knaesel. Eu “voava”com minha BMX de rodas amarelas pelas ruas de paralelepípedo da cidade mais alemã do Brasil. As fortes palavras de minha oma, no entanto, me assombravam.
Mein Gott, meu neto! Depois do futebol, por favor, direto para casa e nunca, mas nunca mesmo, ouse chegar perto dos maconhados que vivem na lagoa atrás do Ginásio!
Eu assentia para a matriarca da família e, assim que o nosso grande mestre Euclides nos dispensava, eu voltava para casa.
Eis que o tempo, como sempre, passou e a adolescência chegou.
Era um dia quente e por todos os lados se viam olhos de boneca a florescer. Em minha memória guardo o cheiro doce e a beleza rara de nossa mais comum orquídea.
Eu estava quase chegando no JB quando fui interpelado por alguns amigos que me convidaram para um piquenique. Sem perguntar onde iríamos, aceitei de pronto participar da aventura. Subimos a Avenida Vinte e Um de Janeiro cantarolando, felizes como muitas vezes, ao infringir pequenas regras, os adolescentes se sentem.
Alcançamos o famoso Ginásio, atravessamos todo o complexo onde acontece a Festa Pomerana e, quando caí em mim, estava diante do lago que tanto me assombrou enquanto menino.
Para minha surpresa, não havia nenhum zumbi ou maconhado a se drogar, na verdade não havia nem lixo por ali e a natureza era sublime.

– Devem estar todos escondidos! – Pensei um pouco alto.
O céu bávaro era refletido na água barrenta porém calma da lagoa. Periquitos, pintassilgos, canários da telha adornavam nosso estar ali com sons e cores.
De repente, meus amigos se jogaram na água. A imagem da oma surgiu em minha alma. Eles morreriam infectados pelas agulhas dos drogados. Eu estava prestes a adverti-los quando a menina mais bonita da sala pediu para eu pular. Me senti o próprio Asno de Buridan. Ela gesticulava. Eu suava e permanecia estático. Os outros se juntaram a ela e um coro uníssono espantou os pássaros.
-Pula! Pula! Pula!
Meu coração disparou. Lembrei-me das palavras de Goethe em Fausto “Duas almas, oh! Moram dentro do meu peito, e aí lutam por um indivisível reino…”
De um lado a doce menina, do outro, o meu pé perfurado por alguma agulha contaminada.
– Pula! Pula! Pula!
Pensei em fugir, mas num impulso impróprio do meu ser, mergulhei no lago com a coragem que eu não tinha. Constatei empiricamente que não havia agulhas ali, tampouco drogados escondidos.
A lagoa atrás do Ginásio deixara de ser o lugar mórbido infernal de minha imaginação e metamorfoseava-se, diante dos meus olhos, em paraíso.
O grande problema é que para alcança-lo eu tinha que passar antes pelo purgatório.
Dona Miriam, a mulher do delegado e, na época, diretora do JB, chegou com seu gol e nos pegou em flagrante matando aula. O pneu furado, o julgamento e o resto da história, amigos, ficam para um outro dia.