A cafeteira hipnotizadora

Em uma casa, como a Jawlensky, de inúmeros cômodos e dezenas de pessoas é possível imaginar que coisas inexplicáveis acontecem o tempo todo.
Nas últimas semanas tive que lidar com uma cafeteira hipnotizadora.
Outro dia, lá pelas tantas da madrugada, senti um cheiro forte de café. Pensei que era sonho. Pela manhã, percebi que a cafeteira estava ligada e as garrafas térmicas cheias. Fiquei intrigado.
Na hora do desjejum, perguntei se alguém havia feito café na noite anterior. Ninguém se manifestou.
Um dia depois, estou a trabalhar no jardim, quando minhas narinas são tomadas pelo aroma inebriante dos grãos arábicas. Assim que chego na cozinha, cafeteira ligada e ninguém a vista. Durante a noite, a mesma história.
Durante cinquenta e seis horas, a tal máquina não parou de funcionar e eu não encontrei nenhuma explicação para o tal fenômeno. O consumo de um pacote de café orgânico por dia, como estava acontecendo, iria nos custar no fim do mês 159,00 euros.
Temendo a falência eu fiquei de tocaia no quarto de passar roupas. Duas e cinquenta e cinco da madrugada me entra Belíssima, de roupão, na cozinha e me liga a cafeteira.
Faz dois anos que Belíssima mora conosco. Ela tem síndrome de Down, gosta de teatro, dança, pratica canoagem, alpinismo, natação e tantas outras coisas que só de pensar já fico cansado. Belíssima ama abraçar. Vive a nos agarrar e, se deixamos, vira um pingente de mais de sessenta quilos.
Muito mais sério do que o meu normal, eu a indaguei sobre o ocorrido. Ela abaixou a cabeça e silenciou. Antes de voltar para o quarto, prometeu não mais fazê-lo.
Um dia depois, quatro garrafas térmicas cheias.
Indignado, chamei Belíssima para uma conversa no escritório. O tal lugar aqui em casa é tabu. Tipo sala de orientadora educacional.
Ao ser questionada, ela chorou, se descabelou e confessou que mesmo contra a sua vontade ela foi obrigada pela cafeteira a fazê-lo. A máquina simplesmente a hipnotizou e, caso ela não o fizesse, as consequências, que ela não soube me dizer, seriam terríveis.
Eu respirei, mexi nos meus poucos cabelos e, diante da inocência de belíssima, me restou “ressuscitar” uma cafeteira antiga e “enterrar” a nova.
O final, feliz, é que depois disso, Belíssima parou com a mania de fazer café e nós economizamos uns bons euros.

A última foto da malévola cafeteira.
A última foto da malévola cafeteira.